11.12.07

I want you so bad that it hurts!

Um carro imundo numa avenida longa demais leva qualquer um a devaneios. Ela não era diferente dos outros. Era até mais fácil, atirada. Não continha os pensamentos, ela se permitia, demais. E ia dirigindo e mudando de idéia, e o desespero se apoximando, o destino. Estava quase chegando em casa e nada de decidir nada, mil coisas ao mesmo tempo e nada. Nada de certo. Tudo ao avesso, de costas, ponta cabeça, marcha ré. Mente ali que resolve por enquanto, inventa aqui, fala o que ele falou, repete o que você ouviu, diz que ama por enquanto, ali também. Menina, vai enrolando. Não tem problema algum. Espera! E o que é que você quer mesmo? Com vontade? É o frio? Não. É o conforto? É ele? Será? É! Não, não. Pois decide, menina!

- Não posso, cheguei em casa. Amanhã eu penso nisso.

9.11.07

Minha família pensa que meu trabalho é brincar de mexer com computador.

@@ Rafa, eu queria um logo pra minha empresa. Ouví dizer que é baratinho. Por quanto você faz?
## Depende. Para o que é o logo?
@@ Ora, pra usar nas coisas da empresa.
## Coisas…?
@@ Cartões, notas, catálogos, website, uniformes, fachada, etc.
## Entendo, mas para quê por um logo em tudo isso?
@@ (já estressada) Ora! Pra todo mundo reconhecer minha empresa, pras pessoas verem esse logo e imediatamente saberem que é minha empresa, tipo a Nike ou a Coca-Cola.
## Ué, mas o nome não é o suficiente? Precisa gastar mais para ter um desenhinho no cartão e na fachada?
@@ (agora, já pocessa) Caramba, mas que diabo de publicitária é você? É lógico que precisa ter uma marca, um logo, uma imagem, que todo mundo vai lembrar e que vai me ajudar a vender mais. Que vou poder por apenas isso em um monte de lugares e vai ser o suficiente para se fazer um marketing viral e vou economizar muita grana em anúncio e propaganda. Que todo mundo vai olhar e lembrar dos meus produtos.
## Então, você sabe muito bem o valor do que quer e do que está pedindo. Sabe que um logo bem feito não é só um desenhinho e que vai agregar valor a sua empresa e consequentemente aumento de vendas e faturamento. Você está adquirindo um produto tão importante quanto as suas máquinas e seus funcionários pois vai ser a cara, a identidade visual do seu negócio. Deixa eu ver aqui. Vamo fazer assim? Pra você, que é da família, eu faço por DEZ MIL REAIS.

Moral da história: é importante que o cliente reconheça o valor e a importância do trabalho pedido, o que aqui em Fortaleza nunca acontece. Pelo menos, não na minha família. E na sua?

2.11.07

Tive razão.

Tive razão
Posso falar
Não foi legal, não pegou bem
Que vontade de chorar, dói
Em pensar que ela não vem, só dói
Mas pra mim tá tranquilo, eu vou zoar
O clima é de partida, vou dar sequência na minha vida
E de bobeira é que eu não estou,
E você sabe como é que é, eu vou
Mas poderei voltar quando você quiser.
ô ô ô ô ô ô ô ô, lá lá lá...
Demorô vai ser melhor...

* Seu Jorge

12.10.07

Je ne t'aime plus.

Eu quero tanto descobrir o caminho da minha nova casa. Minha, só minha, minha, minha. Minha privada limpinha, meu copo de uísque, meu quadro na parede, tudo tão estável. Quero pensar em outra coisa, concentrar na reforma, na mudança, nos detalhes fúteis que só importam a mim. Qual cor? Essa ou aquela cadeira? Parcela em quantas vezes? Aceita Visa? Eu estou tão cansada de ter minha cabeça em você que seria capaz de te dar tudo o que tenho por um pouco de calma, um cigarro e uma brisa sem consequência. Estou enlouquecendo. Fico pensando se devo ligar, se me rendo em troca de quase nada. Estou cansada. Pássaros invadem meu quarto à noite, corujas sangrando, olhos fixos no teto branco, sonhos de morte. Quero ser feliz. Estou escorrendo, sangrando, fedendo, feia, chata, abusada, sem graça. Ainda nem escovei os dentes hoje e há dois dias que não tomo banho. Estou sozinha e sem saber por onde você anda. Não me faça mais chorar. Pare. Você sabe o quanto eu ainda amo aquele que era tão sensível, que sabia como me fazer bem. Volta. Quero pintar o seu corpo todo com meus dedos mergulhados em cores primárias de guache, depois sorrir por sorrir. Quero me fingir de morta, correr em círculos e dançar no intervalo da novela. Todo dia de novo. Com você, aquele que me dá paz em troca de nada. Minha velha casa.

Eu imploro, parem a demolição!

1.8.07

Eu devia ter gritado seu nome.

Agora, é uma daquelas coisas que eu tenho medo de me ouvir falando em voz alta, medo de me ouvir mentindo pro mundo, uma grande farsante. Pela primeira vez na minha vida, foi tudo verdade. E eu aqui fingindo todo dia que não foi nada, bancando a idiota, brincando de rotina normal. Foi tudo sangue, carne e alma. Sangue vermelho, daquele que escorre todo, mas não feito água que escorre rápido por entre os dedos, e sim feito óleo escuro e grosso, devagar, denso, capaz de poluir oceanos inteiros, acabar com ecossistemas. Capaz de matar e fazer sofrer, tudo isso bem devagar, tudo entranhado, tudo num emaranhado doido de texturas. E foi tudo verdade. Causou reações de espanto, derramou lágrimas, semeou angústia, preocupação, transformou rostos, foi uma verdadeira mutante de gente. E foi uma verdade que cresceu em pouco tempo, aumentou, esquentou, explodiu em novas cores, em novos traços, em incertezas e certezas. Enquanto a maioria do mundo seguiu inconsciente da mudança, ela duplicou, triplicou, quadruplicou de tamanho e rogou por atenção. Uma verdade inquieta, que nunca entendeu a sua incapacidade de ser feliz, de transformar seres comuns e sem propósito em pessoas mais bonitas, mais radiantes. Mas ela foi forte e persistente, se agarrou a mim, e eu fui ridícula, incapaz de dizer a ela que ficasse, que ela era linda demais, incandescente, ensurdecedora. Fechei os olhos e disse não, não estou te vendo, não estou te ouvindo, não estou te sentindo. E ela foi embora triste, despida, sozinha e com frio, muito frio. Morreu, virou mais uma mentira, mais uma brincadeira, mais uma coisa que não existe, e que nem nunca existiu. Morreu de verdade, virou ontem, virou semana passada, acabou. Levou junto um pedaço grande de mim.

19.6.07

"Samba do Grande Amor"

Tinha cá pra mim
Que agora sim
Eu vivia enfim o grande amor
Mentira
Me atirei assim
De trampolim
Fui até o fim um amador
Passava um verão
A água e pão
Dava o meu quinhão pro grande amor
Mentira
Eu botava a mão
No fogo então
Com meu coração de fiador

Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor
Mentira

Fui muito fiel
Comprei anel
Botei no papel o grande amor
Mentira
Reservei hotel
Sarapatel
E lua-de-mel em Salvador
Fui rezar na Sé
Pra São José
Que eu levava fé no grande amor
Mentira
Fiz promessa até
Pra Oxumaré
De subir a pé o Redentor

Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor
Mentira

*Chico Buarque de Hollanda

8.6.07

La mala educación.

Eu tô morrendo de vontade de dizer umas coisas pra certas pessoas ali, extravasar tudo desse meu jeito meio besta, meio metida a saber mais que todo mundo. Falar essas coisas todas assim, abrindo bem a boca, pronunciando cada palavra com gosto, mas usando sempre uma linguagem bem chula, sem negócio de ser fina, besteira de ser educada. Fodam-se as frescurites, as regras, as delicadezas. Quero mesmo é falar bem alto: bróder, você cagou o pau demás!

17.5.07

"As Três Palavras Mais Estranhas"

Quando falo a palavra Futuro,
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando eu falo a palavra Silêncio,
o destruo.

Quando eu falo a palavra Nada,
crio algo que nenhum não-ser comporta.


* Wislawa Szymborska

16.5.07

Lunática.

Voltando para casa, lá estava ela, com um sorrisão colgate de orelha a orelha. Bem ali. Era só olhar um pouco para a esquerda. Paquerando comigo, toda emperequetada. Brilho para todo lado. Com certeza, certeza absoluta, um bom presságio.

14.5.07

Fátima e Ana e Dudu e Rafa e Zé Carlos, que ficou no carro lendo Quatro Rodas. Família.

Hoje minha mãe disse que queria assistir a uma missa na Igreja de Fátima, estava decidida, ou ela ia sozinha ou eu ia com ela. Fui, afinal é dia das mães. Vale lembrar que hoje é domingo, dia treze de maio, dia das mães, a Igreja é a de Fátima, que fica no bairro de Fátima, na Avenida Treze de Maio, que foi o dia da aparição de Nossa Senhora de Fátima lá do outro lado do oceano, isso noventa anos atrás, novena, devoção, dia de Fátima, de Lourdes, de Maria, mãe de Deus, dia das mães, da minha mãe, da Ana, Ana Lourdes. Amém.

Imagino que dê para vislumbrar a quantidade de gente, a quantidade de Ana e de Maria. Nós nem entramos na igreja, acompanhamos a missa através das caixas de som instaladas do lado de fora. Ficamos as duas sentadas nos degraus vermelhos do pátio lateral, o chão pegando fogo, aquele fogo de três da tarde em Fortaleza, chão imundo de pessoas indo e vindo o dia todo, um vento quente de aglomeração. Eu falei para mamãe que isso não era hora de ir para missa, mas não adiantou, ela estava decidida. E a igreja lotada. Muita gente. Famílias, casais, mães, avós, pais e crianças com roupas de domingo de festa. Muita gente. E minha mãe e eu ali sentadas, bem pertinho uma da outra. E meu irmão? Eduardo, Duduzinho, meu irmão mais novo, meu presente. Do outro lado do mundo, lá longe. Chorei de saudade um pouquinho, depois engoli o choro, aquela coisa ruim, uma pressão no peito, tinha que fazer alguma coisa.

Deixei minha mãe sozinha alguns minutos e fui lá fora, no comércio religioso. Eram milhares de barraquinhas prontas para lucrar com os fiéis, tudo muito organizado, uma coisa do ladinho da outra, tudo branco, rosa e azul pálido. Comprei um escapulário bonitinho, um de prata, e o padre benzeu. Escapulário. Es-ca-pu-lá-ri-o. Palavra bonita, boa de repetir. Bonita de todo jeito, devagar, rápido, em pensamento e em oração. Escapulário vem do latim "escapula", significa armadura, proteção. Vou mandar pelo correio para o meu irmão, o aniversário dele já está pertinho. Com um nome bonito desses, escapulário, só pode funcionar muito bem.

Sei que isso tudo deve estar parecendo um pouco estranho. Quem me conhece sabe que não sou das mais religiosas, que na missa nunca sei quando levantar ou quando sentar, vou copiando o vizinho, e que aquele sinal da cruz enfeitado, um que repete três vezes um por cima do outro, não sei nem por onde começar. O negócio é que eu adoro essas coisas de acreditar por alguns minutos em alguma coisa sem explicação lógica, nada de elétrons e átomos, só comoção, multidão, gente, muita gente.

Muita gente, muita história, tradição. Uma coisa muito legal de missa é que tem uma horinha para você agradecer e pedir, dá direito a fazer pedidos. Agradece rapidinho, agradece tudo, depois faz um pedido, dois pedidos, três pedidos, quatro... coisa de estrela cadente, de céu estrelado. E mais legal ainda é que nunca decoro o que peço, não faço listinha, sou desorganizada mesmo, aí julgo que funciona.

Mas hoje eu não pedi nada, só agradeci. Sou tão feliz. Sou saudade boa de domingo, sou suspiro, algodão doce, maçã verde e refrigerante. Sou o amor desmedido da minha mãe, o carinho incondicional do meu pai e o espelho do meu irmão. Sou uma menina GIGANTE e minha família, ah, ela é linda.

"Extremos da Paixão"

"Não, meu bem, não adianta bancar o distante
lá vem o amor nos dilacerar de novo..."

Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a) - mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo - porque se poderia ter, já que está vivo(a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER.

Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-
morrer-drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: "Se você não me amar, eu matarei o presidente". E deu um tiro em Ronald Regan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George - se não houver algo de publicitário nisso - é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.

No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira: compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó.O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos.

Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se em símbolo sem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: "É para você, para você que eu escrevo" - dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.

Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que - se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida.

Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor car(o,a) colega esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.

* Caio Fernando Abreu

7.5.07

O sopo nõo lovo o pó.

Hoje eu cheguei a uma conclusão de grave seriedade. Voltando da aula, no meu translado diário Fortaleza/Eusébio, me peguei cantarolando muito entretida, a sapa nãa lava a pá, nãa lava parqua nãa quar... Quando chegou a vez da vogal o, eu percebi o tamanho do absurdo. Daqui a pouco, eu começo a contar as vacas do meu lado da estrada.

Conclusão de grave seriedade: eu realmente moro muito longe.
Conclusão de menor seriedade: preciso de um som no carro.

4.5.07

Minha mãe me chama de cigana.

Com o primeiro, foi para a vida toda. Com o segundo, foi eterno. Com o terceiro, até o fim. Com o último, até eu parar de existir por aqui. E agora, para sempre? Realmente, essa coisa de tempo é uma invenção idiota, desculpem a escolha da palavra, dura, grossa, grande, pesada, mas eu já não acredito mais em tempo. E esse monte de palavra, cuspida, essa tentativa inútil de se apropriar dessa coisa doida, desse negócio que passa, mas não passa, que anda, mas é devagar e é rápido, que faz tudo sumir e um monte aparecer, essa coisa louca, essa coisa... uma delícia. Eu quero mesmo é que passe, passe tudo e fique apenas o que se modifique, o que é bom, o que é sempre sorriso. Quero mesmo é esquecer um monte de detalhe, esquecer dias e meses, mas lembrar do abraço e do cheiro, do cabelo, do óculos embaçado e do suor, da perna e do peso. Quero mesmo é não entender, que é para poder pensar e sonhar e desejar o novo de novo, o diferente, o ausente. Não quero esse negócio de ter certeza, coisa de para sempre, quero nada. Quero é sentir frio na barriga, apaixonar todo dia, por tudo, todo mundo, todo canto, pelo encanto e pelo beijo, aquele nó, aquele vento, a pele marcada. E quero fazer tudo isso olhando para o mar, transbordando em oceanos, pode ser pacífico, atlântico ou índico, e que venha o vermelho, o azul, o amarelo, as cores, os temperos e texturas. Sou sim, sou cigana, uma cigana do mar, cigana do tempo, uma doente por sentimento. E já aviso: cuidado! Eu me alimento de todos vocês, sou canibal de gente.

30.4.07

Despedida perdida.

Voltei para o Porto, mas minha casa e meu quarto já nem parecem meus. Todos aqueles aposentos de paredes brancas perceberam o meu desejo inquieto de abandoná-los logo, de ir e não voltar, de deixar a chave daquele retângulo de pé direito alto na gaveta, o chaveiro já quebrado, velho, sujo. A casa me recebe, mas é fria; fui tomar banho e a água quente só funcionou durante três minutos. Minha escova de dente já não está no banheiro, meu quarto empoeirado, minha cadeira com uma rodinha caindo fora sempre, o guarda-roupa vazio, a geladeira já não conserva nada para mim e o meu armário da cozinha só tem uma caixa de cereal velho e amolecido. Tento fazer as pazes, mas o desejo de fechar as portas do primeiro direita pela última vez é maior.

» é assustador como as coisas mudam.

25.4.07

"2 perdidos"

Quando eu quis você
Você não me quis
Quando eu fui feliz
Você foi ruim
Quando foi afim
Não soube se dar
Eu estava lá mas você não viu
Tá fazendo frio nesse lugar
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
E já não caibo em mim
Quando eu quis você
Você desprezou
Quando se acabou
Quis voltar atrás
Quando eu fui falar
Minha voz falhou
Tudo se apagou você não me viu
Tá fazendo frio nesse lugar
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
E já não caibo em mim
Mas se eu já me perdi
Como vou me perder
Se eu já me perdi
Quando perdi você
Mas se eu já te perdi
Como vou me perder

* Arnaldo Antunes / Dadi
» ei, escuta aqui.

23.4.07

Dois espartanos em Fortaleza.

- Tô saindo de casa.
- E eu já tô chegando. Compro o seu ingresso e o meu e te espero na frente do cinema.
- Não dá. Você não tá com a minha carteira de estudante.
- Verdade. Droga! Deixei a minha em casa, vou voltar lá correndo.
- Certo. Te encontro lá na frente. Tá bom?
- Tá. Beijo.
Ele chegou lá aperreado, fez tudo correndo. Foi levantar a fitinha pra não ter que andar o caracol quilométrico e vazio que é a fila do cinema do Iguatemi dia de sábado dez da noite e uma mulher o encarou com um ar de reprovação. Ele entrou pela entrada e deu a volta completa: direita, anda, esquerda, anda, direita, anda, esquerda, anda, agora espera. Ficou sem acreditar no que fez, mas esqueceu rápido, lá vem ela, lá longe. Ela com aquele ar de quem procura, mas sabe pra onde está indo, só pra não parecer perdida. Ele levantou a mão e a menina veio correndo. Os dois em modo acelerado, pensando rápido, falando rápido, sem conseguir parar, era impossível conversar. A conversa era:
- Ainda tô em modo acelerado.
- É, eu também. Tô aqui suando. Andei o caracol todo.
- Não acredito. Sério?!?
E a fila demorava, demorava demais. Eles queriam sentar, parar um pouco. Finalmente, chegou a vez deles de comprar os ingressos.
- Boa noite.
- Boa. Dois pra Esparta, por favor.
- Esparta?!!!?
- Opa. Dois pra 300.
- O senhor tem um real?
- Tenho não.
- Tem sim, aquele que eu te dei hoje na delegacia.
- Tenho não, deixei no carro.
- Ah tá. Será que tenho aqui ainda?
- Moça, não precisa. Bom filme. Sala um.
- Obrigada.
Mais uma fila, dessa vez pra mostrar os ingressos. Já na fila, ele lembra: quero um chocolate. E aí depois de ponderar uns minutos se saíam ou não da fila, quase chegando a vez dos dois, saíram. E foram pra mais uma outra fila, a de comprar doce e pipoca. Ele ameaçou comprar pipoca pra menina, sabia que ela detestava. Ela disse que não queria nada. Ele comprou duas barras de chocolate crocante e um sprite. Finalmente entraram na sala de projeção. Estava passando um trailer de um filme com o Gael Garcia Bernal. A menina suspirou: adoro esse ator. E ele ainda inquieto: vamos sentar ali, não, melhor aqui. Sentaram, ele abriu um chocolate. Ainda tirando o sapato, a menina disse:
- Quero uma mordida.
- Esse é pra você.
- Pra mim?
- Porque você acha que eu comprei dois?
Ela encostou a cabeça no ombro dele, deu uma mordida no chocolate e o filme, que fala através das cores, começou. Os dois estavam em paz, encontraram a sintonia perfeita.

18.4.07

Pouco tempo atrás.

rapidinho, só quero te contar uma coisa:
eu
te
amo!
casa
comigo?
ahn, na verdade foi um segredo e uma súplica.

Era uma casa muito engraçada.

Nós dois desperdiçamos muita energia e tempo na construção de um castelo mágico, do único tipo que existe, o que quebra fácil. Só fui capaz de perceber o tamanho do esforço inútil quando uma moça desconhecida entrou em contato comigo, uma plebéia a comando do príncipe caído, pra pedir um favor vulgar, banal e desinteressante, um pedido quase ridículo. A vontade de gargalhar de raiva foi enorme e deliciosa, uma vontade feliz e capaz de aniquilar qualquer tipo de pesar. Agora, livrei-me de vez daquele castelo de mentira. A estrutura era composta apenas de vento e pó. Ah, mas é realmente uma verdadeira pena que eu tenha demorado tanto pra descobrir os elementos da liga de sustentação.

»desabafo antigo

19.3.07

Origem.

Olha só que legal: ele é chileno.

18.3.07

Dia de casamento.

O padre falava português com um sotaque gostoso, não usava palavras rebuscadas e conseguia falar direto com o meu indisciplinado palpitante. Não fui capaz de decifrar a origem daquele orador simpático, talvez italiano ou até mesmo americano. Isso nem importava tanto, estava feliz de ele haver sido colocado ali na minha frente para bater um papinho comigo, acalmar meu espírito. Eu estava toda de verde, um verde encantado e perdido, apesar de preferir estar a dois e em cores. A cor que zombava de mim era a cor perfeita para aquele meu dia triste, dia que eu queria que desaparecesse no meio dos dias apagados, no meio daqueles tantos outros que perderam o charme. O padre gringo percebeu aquela minha aura sem luz, olhou para mim por alguns segundos, em silêncio profundo, e falou com delicadeza ao meu ouvido. Foi um sussurro quente, do tipo que dá um sopapo lá dentro e você finalmente é capaz de chorar a par do motivo; lágrimas doídas, cheias de verdades antes camufladas. Ele me confidenciou uma afirmativa simples: amor é cuidado. E só então fui capaz de enxergar que aquele foi o dia em que soltamos as mãos.

12.3.07

"Quando o amor vacila"

Eu sei que atrás deste universo de aparências,
das diferenças todas,
a esperança é preservada.

Nas xícaras sujas de ontem
o café de cada manhã é servido.
Mas existe uma palavra que não suporto ouvir,
e dela não me conformo.

Eu acredito em tudo,
mas eu quero você agora.

Eu te amo pelas tuas faltas,
pelo teu corpo marcado,
pelas tuas cicatrizes,
pelas tuas loucuras todas, minha vida.

Eu amo as tuas mãos,
mesmo que por causa delas
eu não saiba o que fazer das minhas.

Amo teu jogo triste.

As tuas roupas sujas
é aqui em casa que eu lavo.

Eu amo a tua alegria.

Mesmo fora de si,
eu te amo pela tua essência.
Até pelo que você poderia ter sido,
se a maré das circunstâncias
não tivesse te banhado
nas águas do equívoco.

Eu te amo nas horas infernais
e na vida sem tempo, quando,
sozinha, bordo mais uma toalha
de fim de semana.

Eu te amo pelas crianças e futuras rugas.

Eu te amo pelas tuas ilusões perdidas
e pelos teus sonhos inúteis.

Amo teu sistema de vida e morte.

Eu te amo pelo que se repete
e que nunca é igual.

Eu te amo pelas tuas entradas,
saídas e bandeiras.

Eu te amo desde os teus pés
até o que te escapa.

Eu te amo de alma para alma.
E mais que as palavras,
ainda que seja através delas
que eu me defenda,
quando digo que te amo
mais que o silêncio dos momentos difíceis,
quando o próprio amor
vacila.

* Autor desconhecido

11.3.07

Pequenas trilhas.

O jeito mesmo é ir escolhendo, exercitando o desapego e torcendo para não tropeçar em algum erro importuno ou decepção incontornável. Se acontecer, xinga um pouco e continua.

Uni duni tê, salamê minguê, e (por enquanto) eu escolho vo-cê.

15.2.07

Era uma vez uma menina chamada Ela.

Ela não sabia como se relacionar com esse negócio arriscado de amar, então, logo cedo, decidiu não se envolver, tirar o time de campo e fugir - fingindo que não fugia - de qualquer relacionamento que beirasse alguma seriedade; a distância sempre dava uma mãozinha. Um dia, essa mesma distância virou a madrasta má; a menina já não queria mais o fim, queria uma reprise da abertura, almejava o clímax e o para sempre a apetecia. O longe já não era mais o novo e o desejado; era a tortura, era o não saber, a maldita insegurança. Ela mudou, virou inimiga dos quilômetros, dos dias, dos meses, do frio; depois ficou triste, pálida, meio esverdeada. Passou um bom tempo com a alma presa por um alfinete, até ele enferrujar e restarem apenas farelos da menina de antes espalhados por todo lado no piso de taco antigo e barulhento. Demorou um pouco até alguém varrer aquela bagunça e a jogar no lixo do banheiro, sem a delicadeza de perceber o solitário fim daquela menina amiga da distância e do frio. Isso tudo porque Ela não conseguia mais falar em voz alta que podia ser feliz de um outro jeito, de um jeito sem ele.

12.2.07

México.

Reforma no meu peito.

10.2.07

Conversas estranhas. Parte três.

- Porra! Esqueci meu isqueiro.
- Pede pra essa cara aí do lado que tá fumando.
- Com licença, pode me emprestar o isqueiro?
- Foda mesmo é saber que eu vou acordar amanhã sentindo essa mesma coisa de agora, esse nada, esse vazio, essa vontade de sentir algo diferente.
- Perdi o controle.
- Preciso sentir alguma coisa nova.
- Eu, na verdade, preciso é que ele faça um monte de coisa que ele nem imagina o quanto é essencial pra mim. O pior é que eu não posso falar o que preciso, ele tinha que saber. O que eu faço?
- Ele tá muito seguro.
- Podia me emprestar o isqueiro de novo? Obrigada mesmo.
- Muito seguro. Acho que amanhã vou vestir minha roupa mais foda.
- Colocar lápis preto no olho e ficar bonita.
- Me arranja um cigarro? Valeu.
- Vamos viajar? Tava pensando que a gente podia ir pra Dublin ou Helsinque. Sempre quis ir pra Helsinque, vi umas promoções na internet hoje.
- Quero sentir raiva, pelo menos já é alguma coisa nova pra sentir.
- Preciso da minha redenção logo. Mais um fino com groselha, por favor.
- Mais um fino comum pra mim, por favor.
- Porra, escuta a música que tá tocando. Ridículo, tão frescando com a minha cara.
- Não quero mais ser essa menina, a que só espera, conta os dias.
- O pior é que a gente não tem muita saída.
- Amanhã vai ser a mesma coisa, todo dia, toda hora, todo minuto.
- Tinha uma menina chorando na minha sala hoje, eu saí de perto.
- Já sei. A gente arranja um caso.
- Não adianta.
- Adianta. Não, você tá certa, não adianta.
- Eu gosto muito dele.
- E eu sou louca por ele. Tem mais cigarro?
- Não, acabou. Em casa tenho mais e tenho vodka também.
- Vamos embora então?
- Vamos, a pessoa que tá escolhendo as músicas tá adorando me ver sofrer. Eu vou quebrar a placa modem da internet quando chegar em casa, tá?
- Tá bom. Eu vou jogar o vidro de pasta de amendoim pela janela.
- Ótima idéia. Tem cinco euros?
- Tenho.
- Me dá. Com licença, vocês aceitam Visa?

2.2.07

"A bouteille d’eau"

o pedaço de um filme
apareceu para mim
tinha cabelos castanhos
tinha olhos castanhos
tinha um jeitinho assim
de saia menina
de fumo mulher
de ginga e de música
de poesia surda
de graça absurda
um querer que não quer

o pedaço de um filme
apareceu para mim
tinha trilha sonora
tinha gosto refinado
sapato descolado
moderninha escrotinha
pudor? acho que não tinha
apareceu para mim

o pedaço de um filme
chegou, tão assim
com uma dança esquisita
um esquisito bonito
com pausas e silêncios
falas não ensaiadas
uma sintonia despropositada
que chega a me estranhar de tão natural

o pedaço de um filme
chegou, tão assim
depois de tantos desencontros
enfim, o encontro
patinando sobre coincidências
apareceu colorida e sorridente
pra dizer com toda sua simpatia cinematográfica
dança comigo essa música?

*Pedro Câmara