30.4.06

Paixão = Amor + Medo

Ah sim. É verdade. Eu te amei. Tantas coisas fáceis de amar, tantas lembranças. Segurança, palavras carinhosas, presentes, tranqüilidade, sonhos coloridos, filme no domingo, jantar japonês na quarta, cama na sexta, rotina. Eu dava um espirro e o telefone já tocava; era você perguntando se eu estava bem. Você cuidava de mim e me fazia rir, mas também conseguia irritar pelo simples fato de ser você melhor do que ninguém. Orgulho de estar do meu lado, tão lindo. Segurava minha mão com força, nossos dedos entrelaçados, mostrando a todos os que desejassem saber quem era o real objeto de todo seu afeto.
Eu chorei. Chorei por nós. Era o fim. Eu era amor e você ainda era paixão, para sempre paixão. A Andréa me ensinou a nossa diferença ontem, ela consegue explicar tudo de forma tão clara, incrível. Amor é paz e paixão é amor mais medo. Eu não tinha mais medo. Quando eu fui, você não entendeu que eu voltaria, nunca entendeu isso. Não entendeu que se me deixasse viver, experimentar, crescer, eu seria sua. Tudo que você disse e fez, todo toque, toda bondade, todo comentário adorável, todo beijo, tudo tinha o peso de uma frase insustentável: talvez agora, com isso, ela me ame para sempre. Isso o deixou fraco. E se não vou amar alguém forte, qual o porquê de amar?

29.4.06

Conversas estranhas. Parte um.

### Eu já estive naquele restaurante. Naquele que você trabalha. Eu vejo você lá às vezes.
@@ Sério?
### Você provavelmente não lembra de mim.
@@ Bem, eu... Eu tenho a memória muito ruim...
### Não, não, eu entendo. Muita gente entrando e saindo. É um lugar agitado. Você é muito feliz lá. Eu já notei. Quer dizer, eu sei que você tem que ser, não é? Se você for abusada, você não recebe gorjetas, você perde o emprego, mas você é diferente. É como se você realmente gostasse do que está fazendo ou algo do tipo. Eu já notei. É legal. Sei lá, depois de um tempo começa a dar nos nervos... mas é legal. É.... Eu estava lá um dia, eu lembro, e tinha esse cara, um completo idiota, ele tava usando uma jaqueta xadrez fluorescente. Você lembra? Que cara imbecil!
@@ Bem…
### Quero dizer, o cara realmente...
@@ Eu acho que ele andava bebendo.
### Eu teria despejado uma garrafa de café no colo dele.
@@ Não.
### Ou tacado a garrafa de ketchup na cabeça dele.
@@ Ele não fez por mal.
### Tá vendo? Você... Sempre feliz. Sempre… pra cima. Mas isso é bom, sabe? Quero dizer.... Isso que você faz. Ser feliz o tempo todo. Então, de onde você é Ana?
@@ Você sabe o meu nome? (ele aponta para o broche com o nome no seu peito, ela ainda está vestida para o trabalho) Ah, claro, claro. Desculpa. É que eu…
### De onde você é?
@@ Ah sim. Eu sou de Quixadá.
### Ah!
@@ Cidade pequena do interior.
### Bem. Isso explica tudo.
@@ Como assim?
### Quixadá. Nossa. Aposto que todo mundo é assim como você em Quixadá. Felizes, sorridentes... Andando de cavalo pra cima e pra baixo, ordenhando vaquinhas.
@@ Eu nunca andei de cavalo na minha vida.
### Uh hum.
@@ E eu nunca nem toquei numa vaca.
### Claro, claro. Eu acredito em você.
@@ Você nunca esteve em Quixadá na vida, não é?
### Não, mas já li a respeito.
@@ Já leu a respeito?
### Já.
@@ Onde?
### Nos livros da Rachel de Queiroz.
@@ Você não sabe nada sobre Quixadá.
### Bem... Talvez não.
@@ Além do que, se você fosse se basear em alguns desses livros, você devia esperar que todo mundo em Quixadá fosse mais como você.
### Como eu?
@@ É.
### O que você está querendo dizer?
@@ Não sei.
### Você não sabe?
@@ Quer dizer… sei lá… assim como você.
### Como o quê?
@@ Como... você. Eu não sei.
### Como é que eu sou?
@@ Nada.
### Não, sério, eu quero saber.
@@ Não é nada. Desculpa. Eu não quis dizer nada. Você é apenas… carrancudo, você sabe nebuloso... meio assustador.
### Assustador?
@@ Quer dizer…
### Assustador?
@@ Desculpa…
### O que você quer dizer com “assustador”?
@@ Nada. Eu...
### E nebuloso? O que significa nebuloso?
@@ Eu nem sei ao certo, você...
### Quem usa uma palavra como “nebuloso”?
@@ Desculpa, eu só....
### Vem aqui e me chama de “assustador” e “nebuloso”.
@@ OLHA! VOCÊ QUE PERGUNTOU! Desculpa se eu o insultei.
### Assustador....
@@ DESCULPA! O que é que você está fazendo aqui afinal de contas? Porque você está me aperreando?
### Aperreando você?
@@ Você sabe o que eu estou querendo dizer.
### Eu não sabia que eu estava aperreando você.
@@ Eu estava tendo um dia super tranqüilo, até você aparecer...

28.4.06

Eu mudo, você fala.

Fui interpretar minha dor através de palavras alheias, dançar minha angústia ao som de uma guitarra que não entendo e cantar em voz alta minha felicidade inconstante. Fui e sentei sem querer muito. Mas aí aquela cadeira e aquela mesa falaram comigo, diretamente comigo. Falaram uma coisa, daquelas coisas que todo mundo sabe, pensa, ou pelo menos que eu sempre soube e pensei e nunca soube exatamente como colocar em palavras.
“O você que eu conheço só existe quando do meu lado.” Que delícia. Tudo ficou tão mais bonito. Para sempre eu terei a minha lembrança de você, um você só meu, um você que sem mim não existe. O você com o qual entro em contato na companhia do meu quarto não é o meu você, é o de outro alguém e esse você não me encanta. E eu já não sou mais o eu que era quando ao lado do você que era meu. Espero que esse outro você que fala de mim com desafeição entenda que eu que escrevo isso não sou o seu eu. Você e eu, nós, múltiplos. Uma coexistência finita de seres infinitos. Até o próximo eu.

27.4.06

Ponto de mutação.

Sabe o que eu mais quero?
Quero me entregar.
Não quero mais colorir minha vida com palavras verdes.
Quero revelar tudo sem medo, mesmo que preto e branco.
Não quero mais ser mecânica, nem laranja, nem industrial.
Quero ser orgânica, pertencer ao todo.
Não quero mais pensar de forma dualista, simplista e banal.
Quero ver tudo de forma holística, sistêmica.
Preciso ser mais humana.

Dois protagonistas.

Cabelo laranja. Raízes escuras. Gesso azul no braço direito. Argola no lábio inferior. Alargador verde. Pulseiras coloridas. Roupa amassada. Tênis amarelo. Calça rasgada. Olhos azuis. Pele branca. Unhas sujas. E um sorriso fascinante.
Cabelo cereja. Raízes escuras. Argola no nariz. Pulseiras coloridas. Roupa amassada. Tênis xadrez. Calça manchada de tinta laranja. Casaco felpudo, verde rosa e azul. Pele pálida. Esmalte vermelho descascando. E um sorriso indefenso.
Dia escuro e frio. Teatro lotado. Cabelo laranja e menina de unhas vermelhas descascando sobem no palco juntos. Sinergia. Ele prende a respiração e ela o guia na jornada. Ela consegue o papel e ele também. Entre as cinqüenta pessoas na audição, os escolhidos. Peça de apenas dois personagens, dois protagonistas, ela e ele.
Assim se conheceram. Estavam perdidos. Felizes. A aproximação foi rápida. A conexão imediata. Toda terça, quinta e sexta após os ensaios, a mesma rotina. Café de menta com chocolate na Pandora. Cigarro com um toque de tangerina. Horas de conversa sobre tudo e nada. Cumplicidade descomprometida. Detalhes simples da vida revelados naturalmente. Proximidade e distância.
Para sempre ele será o artista inconformado, lindo e sombrio da menina cereja; e ela sua atriz excêntrica, colorida e inquieta.

26.4.06

Não somos formigas.

- Quero fazer alguma coisa diferente.
- Mas o que, Rafa?
- Qualquer coisa. Estou tão entediada, é tudo sempre igual. A mesmice mecânica dessa sociedade dialética e hipócrita me cansa. A vida não é assim tão simples.
- Mas o que, Rafa?
- Eu deixo ser tudo sempre igual, não faço nada. A culpa é nossa. Quero fazer alguma coisa. Precisamos fazer algo espontâneo agora. Precisamos viver, sentir, transcender.
- Mas o que, Rafa?
- Vamos até a praia. Correr em direção às ondas, assim sem olhar para trás, sem tirar nossas roupas, sem pensar em mais nada. Vamos nos jogar e sentir a água quente salgada e negra levar embora tudo que já não precisamos mais.
- Mas está de noite, Rafa. É perigoso.
- Não importa. Precisamos fazer isso agora.
- Está bem. Vamos.
- Sério?
- Sério.
E fomos. E foi renovador.

25.4.06

Constelação imaginária.

Aos doze anos depois de um pequeno episódio de rejeição, meus pais me mudaram de escola como de costume, e eu entrei no meu sexto novo colégio. Estava começando a quinta série. Minha mãe comprou cadernos novos, mochila nova, canetas, lápis e borrachas novas. Estranha filosofia essa de que se tudo fosse novo, eu seria uma nova pessoa. Eu até tentava, mas depois da primeira semana, nada era novo inclusive eu. Estava deprimida; mas na época eu não sabia que era mais triste do que as outras crianças, eu apenas as achava diferentes e estúpidas.
Como sempre, eu detestei meu novo colégio, então criei vários joguinhos imaginários para passar meu tempo. Eu comprava dezenas de balinhas e ia distribuindo pelo chão do colégio e observando a reação das pessoas que as achavam ou pregava moedas nas paredes para formar uma constelação imaginária. Eu sempre observei, mas como não fazia barulho e quase flutuava pelos corredores, nunca pensei que pudesse chamar atenção suficiente para ser objeto de observação.
No final, como qualquer história real, eu não fiz nenhum amigo; e com o término do ano letivo, o colégio pediu para os meus pais me retirarem da escola, pois eu não conseguia me adaptar. Ainda hoje não considero fácil nenhum tipo de adaptação, e ainda por cima tenho um sério problema de audição e reumatismo. Acho que nasci para a introspecção e inquietação.

Son of a Preacher Man.

Você já jogou um compact disc pela janela de um carro em movimento durante um ataque de raiva?
Eu já. Trilha sonora de Pulp Fiction.
E foi muito bom.
“Being good isn't always easy. No matter how hard I tried.”

24.4.06

Asas cor-de-rosa são as melhores.

Estava sozinha em casa pensando sobre coisas que não voltam mais e precisando de ajuda quando uma menina de asas me ligou. Tão linda. Ela me convidou pra voar por aí e eu fui. Fui assim sem pensar muito se queria mesmo ir ou não; fui só porque ela tem asas e eu não consigo mais dizer não para seres alados, eles são muito raros hoje em dia.
Eu estava triste e minha amiga de asas cor-de-rosa também, mesmo triste ela faz bem pro meu espírito. Tenho sorte; tenho muitos amigos que fazem bem pra minha pequena alma azul e inquieta. Minha amiga alada logo vai partir, mas sei que durante seus vôos noturnos secretos, onde quer que eu esteja, ela sempre vai visitar meus sonhos e desacelerar meu pensamento.

23.4.06

Hoje lembrei de você.

Minha memória é um negócio interessante, ela nunca funciona de maneira correta ou linear. Devido a esse fato, nunca sei ao certo se as histórias que conto são verdadeiras ou apenas frutos maravilhosos da minha imaginação; não lembro de quase nada da minha vida anterior ao tempo em que comecei a registrá-la com um papel e uma caneta. Meu irmão lembra de detalhes interessantíssimos, doces e reais da sua infância. Eu não o invejo, pois amo minhas lembranças mesmo que falsas.
Hoje lembrei de você e sabe o que aconteceu?
Adorei não saber se era verdade ou só minha imaginação.

Domingo.

Nasci. Hoje de tarde.
Não estava chovendo.