30.5.06

Três minutos. Duas pausas.

Aconteceu faz tempo e fiquei calada, congelada, com a alma fora do corpo. Toda boba. Devia ter tido mais presença de espírito. Vai ver é daquelas coisas que precisa de treino. Ontem estava conversando sobre nada com um amigo e o velho evento ressuscitou. Amigo novo que gosta de Beatles, é ambidestro e tem pressa de sonhar antes de cair em sono profundo. Uma conversa cheia de pausas duplas para efeito de tensão; é que o amarelinho gosta de fazer charme. Ele falou que quando nessas situações, age da forma mais imprevisível: dá um abraço, agradece, dá um beijo. Próxima vez, já sei. Começo a cantar a primeira música que vier na minha cabeça e dou alguma pulseira colorida minha de presente pra pessoa. E todo mundo fica feliz.
Ou pelo menos, eu fico. Que é o importante.

26.5.06

É segredo, tá?

- Deus, eu estou com um problema.
- Qual o problema, Eva?
- Eu sei que você me criou, providenciou esse jardim lindo e todos esses animais maravilhosos, assim como essa cobra hilária, mas eu não estou completamente feliz.
- E por qual motivo, Eva?
- Deus, eu estou solitária e não agüento mais comer maçã.
- Bem, Eva, nesse caso, eu tenho uma solução. Eu criarei um homem pra você.
- Um homem? O que é isso, Deus?
- Uma criatura cheia de defeitos. Ele vai mentir, trair, ser tolo. No fundo, ele vai te dar muito trabalho. Mas ele vai ser maior, mais rápido, e vai gostar de caçar e matar coisas. Eu irei criá-lo de uma maneira tal que ele satisfará suas necessidades físicas. Ele irá se divertir com coisas infantis como lutar e chutar uma bola pra cima e pra baixo. Não será tão esperto quanto você, logo ele precisará de seus conselhos pra pensar de forma clara.
- Parece ótimo. (disse Eva de forma irônica) E o que eu preciso fazer, Deus?
- Bem, você pode ter esse homem sob uma condição.
- E qual é a condição?
- Como eu disse, ele será orgulhoso, arrogante, convencido. Então, você terá que deixá-lo pensar que eu o criei primeiro. E este será o nosso pequeno segredo. Você sabe, de mulher pra mulher.

* Adaptação de uma piada que recebi por e-mail.

25.5.06

Uma bola sabor azul, por favor.

Tenho um amigo muito alto, mais de dois metros de altura, pele de porcelana, cabelos e olhos negros. Ele mora numa casa branca de dois andares e janelas grandes que fica numa colina em frente a um rio.
A casa branca que tem cheiro de café é bem antiga. Foi construída num passado distante para abrigar uma funerária. Dessa época só resta o elevador retangular e baixo feito para transportar os caixões dos que já abandonaram essa existência frágil. Hoje ela abriga a excêntrica família desse menino alto e sem apegos materiais. Nessa casa da colina mora um enfermeiro hippie de cabelos lisos que faz a melhor lasanha do mundo, uma psicóloga de tranças e argola no nariz, uma jovem da minha idade de nome estranho e desejos ocultos, um adolescente gago que sonha com uma banda de rock e meu amigo alto. Eles habitam o segundo andar desse prédio antigo, no primeiro andar funciona uma sede dos Alcoólicos Anônimos.
Muitas das minhas tardes se passaram nessa casa. Eu e meu amigo passávamos horas escutando os anônimos nos contarem todas as suas vidas nos mínimos detalhes ou pelo menos o que lembravam delas entre um trago e outro de seus cigarros que fumavam de forma angustiante. Outras tardes, nós subíamos a colina, o que nos levava quase meia hora, só para ir à sorveteria local e pedir uma bola de sorvete do sabor mais estranho. O meu favorito era sabor azul, o nome do sabor era realmente azul e juro que tinha gosto de sonho. Muitas vezes caminhávamos à beira do rio até anoitecer enquanto ensaiávamos linhas de uma peça teatral imaginária ou cantávamos músicas italianas bobas.
Eram tardes agradáveis, leves e coloridas. Mas eu voltei pro meu mundo e meu amigo foi para um país distante de nome excêntrico. Agora ele escuta o vento e segue seus conselhos sem nunca questionar. Sei que um dia a gente vai se encontrar de novo e dividir uma bola de sorvete sabor azul enquanto conversamos sobre coisas transparentes.

23.5.06

Conversas estranhas. Parte dois.

@@ Alô.
### Oi. Sou eu.
@@ Oi. Nossa, você teve muita sorte. Acabei de encontrar meu celular no porta-malas do carro do meu primo, tinha perdido. Tenho a menor idéia de como ele foi parar no porta-malas, mas tudo bem. Diz.
### Marcela, você deu um tiro na máquina de lavar aqui de casa?
@@ Han!?!?!? Como assim Caio?
### Tem uma bala dentro da máquina de lavar, a casa está completamente inundada e você era a única aqui hoje de manhã.
@@ Eu escutei um barulho mesmo, até achei que a geladeira tivesse explodido. Fui até a cozinha olhar e nada. Aí pensei que tava apenas impressionada, tava vendo uma reportagem na TV sobre um pai que matou o filho porque o confundiu com um ladrão. Mas claro que não atirei na máquina de lavar. Não faz o menor sentido, nem sei atirar.
### Foda. Que merda. Pois eu vou indo. Tenho que resolver isso aqui antes dos meus pais chegarem.
@@ Sim, mais uma coisa. Tem dois peixes mortos no aquário do banheiro.
### Sério!?!?!? Mas eles tavam vivos quando saí, eu até dei comida pra eles.
@@ Bem, eles tavam mortos quando fui fazer xixi.
### Que merda. Que coisa foda. Meu dia tá um cú.
@@ Calma fica assim não. Quer que eu vá até aí te ajudar?
### Não cara. Ainda acho que foi você que deu um tiro na máquina de lavar. Foi mal.
@@ Mas por que eu faria isso?
### Sei lá.
@@ Ah então vai pra merda. Fala sério.
### Valeu. Tchau.
@@ De nada. Tchau.

Nunca mais se falaram, mas se encontraram depois de alguns meses em alguma locadora de vídeos da cidade. Ele a olhou com um ar de quem julga pessoas que atiram em eletrodomésticos enquanto segurava a mão da sua nova namorada, uma daquelas com cara de equilibrada. Ela o olhou apenas confusa, ainda sem entender o que aconteceu naquele dia enquanto escolhia sozinha se ia assistir novamente Kubrick ou Almodóvar. Acabou levando uma comédia romântica ridícula, daquelas que precisam ser devolvidas em 24 horas. E ele alugou “Fale Com Ela” pela terceira vez, afinal a namorada equilibrada nunca tinha assistido nenhum filme do Almodóvar.

17.5.06

"One Art"

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

* Elizabeth Bishop

16.5.06

Embarques e desembarques.

Adoro aeroportos. Fico fascinada pela idéia de que a grande maioria das pessoas em qualquer um deles está em trânsito, em movimento. Marrakesh, Helsinque, Tóquio, Quebec, Buenos Aires, Nova Iorque, Rio de Janeiro, Havana, Santiago, tantas possibilidades. Sempre quis ir a Santiago, conhecer o Chile, os Andes. Nunca fui, tão aqui pertinho. Na maioria das vezes viajo só, acho até melhor assim. Já viajei com outras cinco mulheres da minha família, casamento de um primo que mora longe. Uma palavra resume a experiência, desastre. Prefiro viajar solo. Eu, um café com menta, uma revista com uma capa bonita e colorida, uma música boa, e minha mochila repleta de ambições sigilosas. Acompanhada apenas da sensação de inconstância, de movimento, de alternativas. Cada portão me guia para um lugar totalmente novo, basta sentar numa mesma poltrona desconfortável por algumas poucas horas. Fico encantada com o fato de embarcar numa aeronave com dezenas de pessoas que desconheço, todos voando numa mesma direção com propósitos tão opostos. Alguns retornam, outros deixam para trás, muitos sonham, e existem ainda aqueles que não percebem, que não se deliciam com o momento, muito preocupados com coisas sem importância ou pelo menos sem igual importância. Eu aproveito em silêncio. Preciso viajar logo. Colocar um tênis e um jeans confortável e ser apenas mais uma desconhecida, mais uma passageira, naquele mar de gente imersa numa estrutura arquitetônica fria, gigantesca, cercada de paredes de vidro, à procura de alguma coisa... alguma coisa inefável*.

*que não se pode nomear ou descrever em razão de sua natureza, força, beleza; indizível, indescritível.

12.5.06

Muro branco e portão de madeira.

Hoje eu ia num cartomante. Aparentemente, a maioria de Fortaleza já se consultou com ele, até minha mãe. É claro que eu, sempre alheia a quase todos os fatos terrestres de tons pastéis, não tinha a menor idéia da existência desse famoso. Duas amigas me convenceram a ir, admito que fui de fácil persuasão, até me empolguei. Elas me aconselharam a levar fotos. Não levei foto de ninguém, não precisava. Os meus olhos carregavam um negativo colorido de tudo que já passei e de todos os que agora habitam minha alma, bastava revelar o filme. Pelo menos, foi isso que pensei. Chegamos na porta do homem que seria responsável por me falar do passado, presente e revelar o futuro. Estava nervosa. Mas ele mandou uma mensageira dizer que não poderia nos atender, estava saindo de viagem, férias de três meses. Três meses. Nesse tempo, eu provavelmente não habitarei mais a terra do sol. Na verdade, acho que ele me viu. Acho que ele sentiu toda a minha angústia e preferiu que eu fosse embora, que me resolvesse sozinha. Acredito que teve medo de me confundir mais ainda. Obrigada pela sensibilidade. Mas sabe o que eu estava pensando? Agora tenho cinqüenta reais a mais do que havia planejado para o mês. Acho que vou fazer um piercing novo.

11.5.06

Corra Lola Corra.

“O jogo dura 90 minutos. Isto é um fato. Todo o resto é apenas teoria.” Após lançar essa simples regra, o filme nos dá o objetivo do jogo: Lola tem apenas 20 minutos para arranjar 100 mil marcos ou gangsteres irão matar seu namorado, Manni. Ready. Steady. Go!
Uma manhã, vinte para o meio dia, Lola, uma neopunk alemã de cabelo laranja avermelhado fluorescente, recebe um telefonema desesperado de seu namorado que precisa de 100 mil marcos até o meio dia ou seu chefe irá matá-lo. A protagonista permanece calma, o assustado Manni acredita que ela saberá o que fazer, mas ele a avisa que se ela não o encontrar em vinte minutos, irá assaltar um supermercado em frente à cabine telefônica da qual está ligando. Lola logo inicia sua jornada, correndo nas ruas de alguma cidade alemã até o banco onde seu pai é vice-presidente, esperando conseguir dinheiro com ele. As coisas não saem exatamente como ela esperava e o resultado é desastroso. Depois de apenas 25 minutos de filme, temos a impressão de que não existe mais saída. Então vemos na tela: “Game Over – insert 50¢ to continue,” e o filme volta ao início; Lola joga o telefone para cima e começa a correr novamente. A segunda tentativa acabe em desastre também, então Lola tem uma terceira chance para resgatar o namorado e resolver o problema.
A maneira como o diretor conta a história, é inovadora para o cinema. Para qualquer um de nós que cresceu na era dos videogames e gameboys, é quase óbvio que Lola simplesmente salvou o jogo logo quando ela falou com Manni no telefone para que pudesse voltar até lá e tentar de novo se chegasse a ler na tela: Game Over. E assim como em um joguinho eletrônico, Lola usa conhecimento adquirido previamente para antecipar obstáculos deixando a segunda e a terceira alternativa cada vez mais suave, a não ser até que um novo obstáculo surja. O filme é romântico sem ser mágico; cria um mundo onde tudo é possível: traições ou milagres de último minuto, lances de sorte ou azar etc. O diretor é um romântico do agora, que cresceu com MTV e videogames. Ele conta a história como um menino que é derrotado logo no início por seu joguinho favorito e aperta o botão Reset incansavelmente até conseguir o final que deseja.
Apenas assistindo o filme, nos sentimos cansados, enquanto a protagonista não sua ou para sequer por um segundo. A trilha sonora é composta basicamente de música eletrônica e é tão contagiante que quase faz você querer correr com Lola. É quase impossível desgrudar os olhos da ação, afinal o filme é cheio de ritmo e energia, nos deixa envolvidos e sem fôlego na luta da protagonista contra o relógio. Muitas vezes chega a parecer um longo e bom clipe musical ou uma série de televisão. A trilha sonora nos lembra constantemente da necessidade da velocidade, como no trecho: “like a heartbeat that never comes to rest.” A música nesse filme é dominante e pulsante com apenas alguns intervalos de charmoso e completo silêncio. O diálogo é quase inexistente exatamente por não ter tanta importância quanto a trilha sonora; é interessante observar nesse filme como a música é capaz de comunicar às vezes até mais que palavras.
O fato de Lola correr o tempo todo com toda a velocidade não é suficiente para Tom Tykwer, o diretor. Ele usa no filme: animação, slow motion (enquanto Lola corre você consegue até ver os músculos do seu rosto contraírem), close-ups extraordinariamente velozes, uma grande variedade de ângulos, cortes bruscos, edição no estilo de clipes musicais de rock, flashes do futuro e do passado, monólogos interiores, câmeras na mão, takes aéreos, telas divididas mostrando duas histórias concomitantes, etc. Corra Lola Corra é uma declaração de amor à velocidade no cinema, vida urbana, cultura pop e música eletrônica. A confusão em que Lola está inserida é uma re-interpretação da vida moderna e da nossa interminável luta contra o relógio e o acaso. Os momentos de silêncio deixam a imagem despida e vulnerável, como quando o funcionário do banco vai até o cofre para pegar mais dinheiro enquanto Lola vigia o pai com a arma roubada em mãos.
A personagem da menina de cabelos laranja avermelhado é o que dá unidade ao filme, qualquer lirismo que exista nesse filme emana dos ossos da protagonista. Com seu cabelo elétrico e roupa urbana punk e funcional, ela está pronta para qualquer ação. Emocionalmente, Lola parece uma garota de rua esperta, mas ao mesmo tempo inocente, dessas que vemos por aí nas ruas ou em clubes alternativos e underground. Um fato interessante é que ela não fica impressionada com o fato de que seu namorado está trabalhando para um gangster, mas a deixa inquieta a possibilidade de Manni ser assassinado como se ela nunca tivesse imaginado que algo assim pudesse vir a acontecer. A ingenuidade da protagonista dá ao filme um toque humano, seus olhos escuros apreensivos passam a imagem de alguém que torce pelo melhor, mas antecipa o pior. É fácil simpatizar com Lola, devido a sua devoção a Manni, mas não pelo simples fato de ser devotada ao namorado e sim pelo fato de ela conseguir se envolver tão profundamente e com tamanha força; uma punk numa missão de amor.
O filme é composto de três versões da mesma história. Os eventos em cada episódio se diferenciam muito pouco uns dos outros, mas essas pequenas distinções na narrativa evocam conseqüências e finais muito distintos. O filme trata do tema do destino e de como incidentes e decisões que nos parecem insignificantes podem afetar nossa vida diária mais do que imaginamos. Sim, você já viu algo do tipo antes; a temática já não é mais tão original. Filmes hollywoodianos como “Efeito Borboleta” e “De Caso com o Acaso” tratam do mesmo tema, podemos até dizer que eles todos tentam abordar um pouco a teoria do caos, que tenta explicar o fato de que resultados complexos e imprevistos podem e irão ocorre em sistemas que são sensíveis às suas condições iniciais. Um exemplo propositadamente exagerado dessa teoria é conhecido como efeito borboleta. Esse exemplo diz que, em teoria, o bater de asas de uma borboleta na China pode afetar o clima em Nova Iorque, apesar de estar a milhares de quilômetros de distância. Em outras palavras, a teoria tenta apontar que é possível que um acontecimento muito pequeno possa produzir resultados imprevisíveis e às vezes drásticos através da ativação de eventos cada vez mais significativos.
Apesar de o tema já ter sido abordado por vários outros filmes, a fórmula nunca foi tão bem aplicada quanto nessa audaciosa, ingênua e visualmente estilizada compilação de vários “e se,” que funcionam dentro da lógica peculiar do filme. Corra Lola Corra é eficiente em um nível puramente instintivo. Palmas para essa celebração incontrolada do prazer da velocidade no cinema.

10.5.06

Apelo abstrato.

Palavras são meras convenções humanas. Temos então todo o direito de aplicá-las como bem quisermos. Com ou sem sentido, com ou sem propósito, para machucar ou alegrar, para ludibriar ou enaltecer, etc. Cada substantivo abstrato, mil sentidos, centenas de convenções, inúmeras sensações, infinitas possibilidades.
Existe palavra que mais assume papéis diferentes do que a de todos favorita, aquela de quatro simples letras, amor? Acredito que não. Afinal nós, humanos cheios de receptores nervosos, sedentos de amor verdadeiro, a usamos e a abusamos com freqüência. Nós a utilizamos sem cautela como munição, mesmo que mirando em alvos errados, a fim de que o sentido convencional desse simples substantivo se transforme em algo mais, em um sentimento real e honesto. Mas é tão difícil. Afinal é um sentimento tão complexo, tão cheio de sentidos alternados e instáveis.
Por meio destas poucas palavras expostas numa tela sem vida, venho na verdade fazer um apelo. Não vamos subestimar a força dessa pequena colega de construção bela, dessa palavra quase sempre insensata, mas sempre bem-vinda. Vamos usar, abusar, falar que amamos, mas apenas se de forma intensa, sincera, um pouco irresponsável e quase nada individualista. Que é o jeito certo de amar, mesmo que breve.

4.5.06

"Texto Para uma Separação"

olhe aqui, olhos de azeviche
vamos acertar as contas
porque é no dia de hoje
que cê vai embora daqui...
mas antes, por obséquio:
quer me devolver o equilíbrio?
quer me dizer por que cê sumiu?
quer me devolver o sono meu doril?
quer se tocar e botar meu marcapasso pra consertar?
quer me deixar na minha?
quer tirar a mão de dentro da minha calcinha?
olhe aqui, olhos de azeviche:
quer parar de torcer pro meu fim
dentro do meu próprio estádio?
quer parar de saxdoer no meu próprio rádio?
vem cá, não vai sair assim...
antes, quer ter a delicadeza de colar meu espelho?
assim: agora fica de joelhos
e comece a cuspir todos os meus beijos.
isso. agora recolhe!
engole a farta coreografia destas línguas
varre com a língua esses anseios
não haverá mais filho
pulsações e instintos animais.
hoje eu me suicido ingerindo
sete caixas de anticoncepcionais.
trata-se de um despejo
dedetize essa chateação que a gente chamou de desejo.
pronto: última revista
leve também essa bobagem
que você chamou de amor à primeira vista.
olhos de azeviche, vem cá:
apague esse gosto de pescoço da minha boca!
e leve esses presentes que você me deu,
essa cara de pau, essa textura de verniz.
tire também esse sentimento de penetração
esse modo com que você me quis
esses ensaios de idas e voltas
essa esfregação
esse bob wilson erotizado
que a gente chamou de tesão.
pronto. olhos de azeviche, pode partir!
estou calma. quero ficar sozinha
eu co'a minha alma. agora pode ir.
gente! cadê minha alma que estava aqui?

* Elisa Lucinda

3.5.06

Calibrando cores.

Eu sou amiga do menino mais ciano de todos os tempos. Ele não é azul-turquesa nem azul-crepúsculo, ele é totalmente ciano, mas, como todo menino, sente a necessidade de ser visto como azul-escuro. Pura insegurança. Um dia eu o presenteei, por engano, com uma lata de tinta preta; dois dias depois já estava tudo negro. O erro foi meu, é verdade, eu o confundi. Tentei corrigir meu deslize de todo jeito, com um telefonema amarelo, um pedido de desculpas vermelho, uma mensagem laranja, mas nada adiantava. Tudo continuava da cor do meu pingente de berinjela. Eu tinha a obrigação de melhorar a situação; não podia deixar o menino ciano pensando que eu o via como alguém que merecia uma lata de tinta preta como presente. Fabriquei uma tarde de um céu bem azul-celeste para que eu, que me alimento de cores, tentasse retirar o preto e adicionar ciano novamente. A tarde foi boa, mas as cores ainda não ficaram perfeitamente calibradas. Pelo menos ele já entende que na verdade o que eu sempre quis foi o presentear com uma lata de tinta magenta. Afinal ciano fica lindo com magenta.

2.5.06

Sedenta por totalidade.

Os objetos materiais sólidos da física clássica se dissolvem no nível subatômico, em padrões de probabilidades semelhantes a ondas. Além disso, esses padrões não representam probabilidades de coisas, mas sim, probabilidades de interconexões. As partículas subatômicas não têm significado enquanto entidades isoladas, mas podem ser entendidas somente como interconexões, ou correlações entre vários processos de observação e medida. Em outras palavras, as partículas subatômicas não são “coisas” mas interconexões entre coisas, e estas, por sua vez, são interconexões entre outras coisas, e assim por diante. Na teoria quântica, nunca acabamos chegando a alguma “coisa”; sempre lidamos com interconexões.
É dessa forma que a física quântica mostra que não podemos decompor o mundo em unidades elementares que existem de maneira independente. Quando desviamos nossa atenção dos objetos macroscópicos para os átomos e as partículas subatômicas, a natureza não nos mostra blocos de construção isolados, mas, em vez, disso, aparece como uma complexa teia de relações entre as várias partes de um todo unificado.

* Fritjof Capra em A Teia da Vida.

1.5.06

Ausência de cor é o princípio do fim.

Sem cor e sem foto você um dia me falou coisas azuladas. Você me faz mal. Fala comigo como se eu não pertencesse. Mas era exagero, nem era assim. A vida é tão simples. Eu gosto de você, você gosta de mim, eu não gosto dele e ela me detesta. Acabou, simples assim. Gostar não devia fazer mal. Mas tudo certo. Somos diferentes e é isso que complica. Vai ver a vida nem é tão simples assim como penso, mas eu bem que queria que fosse. Como carrinho de bate-bate e intestino gigante cor de algodão doce.