17.5.07

"As Três Palavras Mais Estranhas"

Quando falo a palavra Futuro,
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando eu falo a palavra Silêncio,
o destruo.

Quando eu falo a palavra Nada,
crio algo que nenhum não-ser comporta.


* Wislawa Szymborska

16.5.07

Lunática.

Voltando para casa, lá estava ela, com um sorrisão colgate de orelha a orelha. Bem ali. Era só olhar um pouco para a esquerda. Paquerando comigo, toda emperequetada. Brilho para todo lado. Com certeza, certeza absoluta, um bom presságio.

14.5.07

Fátima e Ana e Dudu e Rafa e Zé Carlos, que ficou no carro lendo Quatro Rodas. Família.

Hoje minha mãe disse que queria assistir a uma missa na Igreja de Fátima, estava decidida, ou ela ia sozinha ou eu ia com ela. Fui, afinal é dia das mães. Vale lembrar que hoje é domingo, dia treze de maio, dia das mães, a Igreja é a de Fátima, que fica no bairro de Fátima, na Avenida Treze de Maio, que foi o dia da aparição de Nossa Senhora de Fátima lá do outro lado do oceano, isso noventa anos atrás, novena, devoção, dia de Fátima, de Lourdes, de Maria, mãe de Deus, dia das mães, da minha mãe, da Ana, Ana Lourdes. Amém.

Imagino que dê para vislumbrar a quantidade de gente, a quantidade de Ana e de Maria. Nós nem entramos na igreja, acompanhamos a missa através das caixas de som instaladas do lado de fora. Ficamos as duas sentadas nos degraus vermelhos do pátio lateral, o chão pegando fogo, aquele fogo de três da tarde em Fortaleza, chão imundo de pessoas indo e vindo o dia todo, um vento quente de aglomeração. Eu falei para mamãe que isso não era hora de ir para missa, mas não adiantou, ela estava decidida. E a igreja lotada. Muita gente. Famílias, casais, mães, avós, pais e crianças com roupas de domingo de festa. Muita gente. E minha mãe e eu ali sentadas, bem pertinho uma da outra. E meu irmão? Eduardo, Duduzinho, meu irmão mais novo, meu presente. Do outro lado do mundo, lá longe. Chorei de saudade um pouquinho, depois engoli o choro, aquela coisa ruim, uma pressão no peito, tinha que fazer alguma coisa.

Deixei minha mãe sozinha alguns minutos e fui lá fora, no comércio religioso. Eram milhares de barraquinhas prontas para lucrar com os fiéis, tudo muito organizado, uma coisa do ladinho da outra, tudo branco, rosa e azul pálido. Comprei um escapulário bonitinho, um de prata, e o padre benzeu. Escapulário. Es-ca-pu-lá-ri-o. Palavra bonita, boa de repetir. Bonita de todo jeito, devagar, rápido, em pensamento e em oração. Escapulário vem do latim "escapula", significa armadura, proteção. Vou mandar pelo correio para o meu irmão, o aniversário dele já está pertinho. Com um nome bonito desses, escapulário, só pode funcionar muito bem.

Sei que isso tudo deve estar parecendo um pouco estranho. Quem me conhece sabe que não sou das mais religiosas, que na missa nunca sei quando levantar ou quando sentar, vou copiando o vizinho, e que aquele sinal da cruz enfeitado, um que repete três vezes um por cima do outro, não sei nem por onde começar. O negócio é que eu adoro essas coisas de acreditar por alguns minutos em alguma coisa sem explicação lógica, nada de elétrons e átomos, só comoção, multidão, gente, muita gente.

Muita gente, muita história, tradição. Uma coisa muito legal de missa é que tem uma horinha para você agradecer e pedir, dá direito a fazer pedidos. Agradece rapidinho, agradece tudo, depois faz um pedido, dois pedidos, três pedidos, quatro... coisa de estrela cadente, de céu estrelado. E mais legal ainda é que nunca decoro o que peço, não faço listinha, sou desorganizada mesmo, aí julgo que funciona.

Mas hoje eu não pedi nada, só agradeci. Sou tão feliz. Sou saudade boa de domingo, sou suspiro, algodão doce, maçã verde e refrigerante. Sou o amor desmedido da minha mãe, o carinho incondicional do meu pai e o espelho do meu irmão. Sou uma menina GIGANTE e minha família, ah, ela é linda.

"Extremos da Paixão"

"Não, meu bem, não adianta bancar o distante
lá vem o amor nos dilacerar de novo..."

Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a) - mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo - porque se poderia ter, já que está vivo(a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER.

Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-
morrer-drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: "Se você não me amar, eu matarei o presidente". E deu um tiro em Ronald Regan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George - se não houver algo de publicitário nisso - é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.

No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira: compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó.O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos.

Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se em símbolo sem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: "É para você, para você que eu escrevo" - dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.

Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que - se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida.

Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor car(o,a) colega esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.

* Caio Fernando Abreu

7.5.07

O sopo nõo lovo o pó.

Hoje eu cheguei a uma conclusão de grave seriedade. Voltando da aula, no meu translado diário Fortaleza/Eusébio, me peguei cantarolando muito entretida, a sapa nãa lava a pá, nãa lava parqua nãa quar... Quando chegou a vez da vogal o, eu percebi o tamanho do absurdo. Daqui a pouco, eu começo a contar as vacas do meu lado da estrada.

Conclusão de grave seriedade: eu realmente moro muito longe.
Conclusão de menor seriedade: preciso de um som no carro.

4.5.07

Minha mãe me chama de cigana.

Com o primeiro, foi para a vida toda. Com o segundo, foi eterno. Com o terceiro, até o fim. Com o último, até eu parar de existir por aqui. E agora, para sempre? Realmente, essa coisa de tempo é uma invenção idiota, desculpem a escolha da palavra, dura, grossa, grande, pesada, mas eu já não acredito mais em tempo. E esse monte de palavra, cuspida, essa tentativa inútil de se apropriar dessa coisa doida, desse negócio que passa, mas não passa, que anda, mas é devagar e é rápido, que faz tudo sumir e um monte aparecer, essa coisa louca, essa coisa... uma delícia. Eu quero mesmo é que passe, passe tudo e fique apenas o que se modifique, o que é bom, o que é sempre sorriso. Quero mesmo é esquecer um monte de detalhe, esquecer dias e meses, mas lembrar do abraço e do cheiro, do cabelo, do óculos embaçado e do suor, da perna e do peso. Quero mesmo é não entender, que é para poder pensar e sonhar e desejar o novo de novo, o diferente, o ausente. Não quero esse negócio de ter certeza, coisa de para sempre, quero nada. Quero é sentir frio na barriga, apaixonar todo dia, por tudo, todo mundo, todo canto, pelo encanto e pelo beijo, aquele nó, aquele vento, a pele marcada. E quero fazer tudo isso olhando para o mar, transbordando em oceanos, pode ser pacífico, atlântico ou índico, e que venha o vermelho, o azul, o amarelo, as cores, os temperos e texturas. Sou sim, sou cigana, uma cigana do mar, cigana do tempo, uma doente por sentimento. E já aviso: cuidado! Eu me alimento de todos vocês, sou canibal de gente.