14.6.06

Untitled.

Olhei várias vezes, ainda assim demorei um pouco para decifrar a proposta. Quando finalmente entendi, fui comprar uma água e me encantei rápido, mesmo sem título. A partir daí me vi imersa numa história que começou sem introdução e pulou direto para os capítulos do clímax. Só espero que isso tudo seja mais do que um esquete e lembre um pouco aquela historinha daqueles dois descalços no parque.

O trivial e a tragédia.

Aqueles que são fiéis conhecem apenas o lado trivial do amor.
O infiel é que conhece as tragédias do amor.

* Lorde Henry em O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde

12.6.06

Início do ato II.

Menina, olha pro lado. Você já passou do seu ponto há muito tempo. Desce agora, depressa e sem cautela, não tem problema nenhum ser tarde. Você só vai precisar andar um pouco mais até chegar lá. Eu sei que você está cansada e que a idéia de andar tem som de tempestade, mas vai ser bom. São apenas algumas quadras, a distância perfeita para curar a dor desse desassossego. Você já sonhou com o fim que é o mais difícil, então agora desce correndo e improvisa. Anda até chegar e no caminho grita toda a tua angústia, cospe essa mágoa, abandona a aflição logo na primeira esquina. Por favor, olha pro lado. É, pra qualquer lado. Tá vendo aquele pedaço de sonho bem ali ou aquela cortina negra ainda persiste? Sei que é complicado acreditar no impossível, mas prometo que ela vai desaparecer. E aí é que o espetáculo vai começar, o espetáculo de ser feliz de novo.

9.6.06

Sobe?

Entrei acompanhada do meu fone de ouvido e de um gatorade rosa que, como diz um amigo, é apenas um saquinho de tang diluído em vinte litros de água. Estava meia hora atrasada como sempre quando ele entrou no elevador de terno azul quase preto, mochila laranja e uma garrafa de água mineral na mão. Comecei a imaginar a vida desse homem com jeito adolescente, afinal naquele elevador apertado e cinza ele era o mais sedutor, mas era tudo mais previsível do que eu esperava. Passei então para a próxima pessoa; uma mulher que devia ter por volta de quarenta anos. Ela olhava fixamente para frente, usava uma roupa apertada demais e os cabelos presos de uma maneira quase caricata. Tentei invadir o inconsciente dela só por diversão, mas andava muito triste para sonhar. Será que ela sabe que é feita praticamente de espaço vazio e o que a mantém sólida são interconexões entre coisas que são interconexões entre outras coisas e assim por diante? Acho que não, mas nem importa. O elevador chegou ao décimo sexto andar e eu ao meu destino. Mais um dia de trabalho.

7.6.06

"Dust"

Man: Did you sleep with her?
Woman: Time to go to sleep.
Man: Did you?
Woman: Don't forget to set your alarm.
Man: Are you going to answer me or not?
Woman: Not.
Man: I want to know.
Woman: What would you do if I said "yes?" Use it as an excuse to go out and find some new sexual thrill? Some kinky, brutal male thing involving blood and dismemberment?
Man: No! I'd just want to know why. I'd want to know what it was I wasn't giving you that you had to go somewhere else. I'd want to know so that I could learn how to give it to you, whatever is was you needed to stay with me. Forver and ever. Because I love you more than life, and I would do anything -- anything! -- to keep your love.
Woman: (quite overcome) Oh!
Man: But if you still left me after all that I'd probably just hunt you down and kill you.
Woman: That's not funny!
Man: I'm sorry.
Woman: Why did you have to ruin it? You said something sweet and real, and then you just had to say something horrible.
Man: I can't help myself. I'm a man. It's like there's this programming built into my head. Anytime I say anything that borders on emotional truth, I have to automatically compensate by saying something stupid.
Woman: Is that what it is?
Man: Pity me, I'm emotionally challenged by virtue of gender.

* Trecho da peça Dust de Michael T. Folie

"An Ideal Husband"

Mabel Chiltern: Well, Tommy has proposed to me again. Tommy really does nothing but propose to me. He proposed to me last night in the Music-room, when I was quite unprotected, as there was an elaborate trio going on. I didn't dare to make the smallest repartee, I need hardly tell you. If I had, it would have stopped the music at once. Musical people are so absurdly unreasonable. They always want one to be perfectly dumb at the very moment when one is longing to be absolutely deaf. Then he proposed to me in broad daylight this morning, in front of that dreadful statue of Achilles. Really, the things that go on in front of that work of art are quite appalling. The police should interfere. At luncheon I saw by the glare in his eyes that he was going to propose again, and I just managed to check him in time by assuring him that I was a bimetallist. Fortunately I don't know what bimetallism means. And I don't believe anybody else does either. But the observation crushed Tommy for ten minutes. He looked quite shocked. And then Tommy is so annoying in the way he proposes. If he proposed at the top of his voice, I should not mind so much. That might produce some effect on the public. But he does it in a horrid confidential way. When Tommy wants to be romantic he talks to one just like a doctor. I am very fond of Tommy, but his methods of proposing are quite out of date. I wish, Gertrude, you would speak to him, and tell him that once a week is quite often enough to propose to any one, and that it should always be done in a matter that attracts some attention.

* Trecho da peça An Ideal Husband de Oscar Wilde

6.6.06

Momento descompassado.

Cinco minutos longos, daqueles que duram horas, com regras que fogem ao meu alcance. Acompanhados de música, do céu de cor exclusiva e da pressa de conhecer tudo sobre o outro naquele pedaço de tempo sem lógica, mesmo sabendo que aos poucos e ritmado é sempre mais bonito. O fim chega sempre sem ser convidado. Invade intrometido, irritante, todo “indie”. Já a vontade, essa só aumenta.

2.6.06

Sonho vespertino.

Eu estava sentada com um grupo de pessoas que não conhecia. Ele era o meu único elo, a pessoa que fazia com que eu fizesse sentido naquela situação até ontem improvável. Começou a chover. Eu avisei, mas ninguém prestou muita atenção. Abriram um toldo verde e ele, com uma raiva lúdica que por sua natureza não tenho como explicar, fechou o toldo muito rápido. O rapaz do bar demorou mais de um minuto pra abrir e ele o fechou em dois segundos. Instantaneamente saquei um guarda-chuva amarelo de dentro de uma bolsa muito pequena. Quase uma Mary Poppins reformulada, de saia de bolinhas e sandália de dedo. Ele então desapareceu, imaginei que tivesse ido ao banheiro. Levantei da mesa, me despedi daquelas pessoas novas cujos nomes logo iriam desaparecer e fui andando na chuva sozinha até chegar no meu quarto. Deitei, dormi e acordei escutando o Beck cantar: “everybody is gotta learn sometime”. O filme tinha acabado. É incrível, sempre acordo no close pro fim.