30.4.07

Despedida perdida.

Voltei para o Porto, mas minha casa e meu quarto já nem parecem meus. Todos aqueles aposentos de paredes brancas perceberam o meu desejo inquieto de abandoná-los logo, de ir e não voltar, de deixar a chave daquele retângulo de pé direito alto na gaveta, o chaveiro já quebrado, velho, sujo. A casa me recebe, mas é fria; fui tomar banho e a água quente só funcionou durante três minutos. Minha escova de dente já não está no banheiro, meu quarto empoeirado, minha cadeira com uma rodinha caindo fora sempre, o guarda-roupa vazio, a geladeira já não conserva nada para mim e o meu armário da cozinha só tem uma caixa de cereal velho e amolecido. Tento fazer as pazes, mas o desejo de fechar as portas do primeiro direita pela última vez é maior.

» é assustador como as coisas mudam.

25.4.07

"2 perdidos"

Quando eu quis você
Você não me quis
Quando eu fui feliz
Você foi ruim
Quando foi afim
Não soube se dar
Eu estava lá mas você não viu
Tá fazendo frio nesse lugar
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
E já não caibo em mim
Quando eu quis você
Você desprezou
Quando se acabou
Quis voltar atrás
Quando eu fui falar
Minha voz falhou
Tudo se apagou você não me viu
Tá fazendo frio nesse lugar
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
E já não caibo em mim
Mas se eu já me perdi
Como vou me perder
Se eu já me perdi
Quando perdi você
Mas se eu já te perdi
Como vou me perder

* Arnaldo Antunes / Dadi
» ei, escuta aqui.

23.4.07

Dois espartanos em Fortaleza.

- Tô saindo de casa.
- E eu já tô chegando. Compro o seu ingresso e o meu e te espero na frente do cinema.
- Não dá. Você não tá com a minha carteira de estudante.
- Verdade. Droga! Deixei a minha em casa, vou voltar lá correndo.
- Certo. Te encontro lá na frente. Tá bom?
- Tá. Beijo.
Ele chegou lá aperreado, fez tudo correndo. Foi levantar a fitinha pra não ter que andar o caracol quilométrico e vazio que é a fila do cinema do Iguatemi dia de sábado dez da noite e uma mulher o encarou com um ar de reprovação. Ele entrou pela entrada e deu a volta completa: direita, anda, esquerda, anda, direita, anda, esquerda, anda, agora espera. Ficou sem acreditar no que fez, mas esqueceu rápido, lá vem ela, lá longe. Ela com aquele ar de quem procura, mas sabe pra onde está indo, só pra não parecer perdida. Ele levantou a mão e a menina veio correndo. Os dois em modo acelerado, pensando rápido, falando rápido, sem conseguir parar, era impossível conversar. A conversa era:
- Ainda tô em modo acelerado.
- É, eu também. Tô aqui suando. Andei o caracol todo.
- Não acredito. Sério?!?
E a fila demorava, demorava demais. Eles queriam sentar, parar um pouco. Finalmente, chegou a vez deles de comprar os ingressos.
- Boa noite.
- Boa. Dois pra Esparta, por favor.
- Esparta?!!!?
- Opa. Dois pra 300.
- O senhor tem um real?
- Tenho não.
- Tem sim, aquele que eu te dei hoje na delegacia.
- Tenho não, deixei no carro.
- Ah tá. Será que tenho aqui ainda?
- Moça, não precisa. Bom filme. Sala um.
- Obrigada.
Mais uma fila, dessa vez pra mostrar os ingressos. Já na fila, ele lembra: quero um chocolate. E aí depois de ponderar uns minutos se saíam ou não da fila, quase chegando a vez dos dois, saíram. E foram pra mais uma outra fila, a de comprar doce e pipoca. Ele ameaçou comprar pipoca pra menina, sabia que ela detestava. Ela disse que não queria nada. Ele comprou duas barras de chocolate crocante e um sprite. Finalmente entraram na sala de projeção. Estava passando um trailer de um filme com o Gael Garcia Bernal. A menina suspirou: adoro esse ator. E ele ainda inquieto: vamos sentar ali, não, melhor aqui. Sentaram, ele abriu um chocolate. Ainda tirando o sapato, a menina disse:
- Quero uma mordida.
- Esse é pra você.
- Pra mim?
- Porque você acha que eu comprei dois?
Ela encostou a cabeça no ombro dele, deu uma mordida no chocolate e o filme, que fala através das cores, começou. Os dois estavam em paz, encontraram a sintonia perfeita.

18.4.07

Pouco tempo atrás.

rapidinho, só quero te contar uma coisa:
eu
te
amo!
casa
comigo?
ahn, na verdade foi um segredo e uma súplica.

Era uma casa muito engraçada.

Nós dois desperdiçamos muita energia e tempo na construção de um castelo mágico, do único tipo que existe, o que quebra fácil. Só fui capaz de perceber o tamanho do esforço inútil quando uma moça desconhecida entrou em contato comigo, uma plebéia a comando do príncipe caído, pra pedir um favor vulgar, banal e desinteressante, um pedido quase ridículo. A vontade de gargalhar de raiva foi enorme e deliciosa, uma vontade feliz e capaz de aniquilar qualquer tipo de pesar. Agora, livrei-me de vez daquele castelo de mentira. A estrutura era composta apenas de vento e pó. Ah, mas é realmente uma verdadeira pena que eu tenha demorado tanto pra descobrir os elementos da liga de sustentação.

»desabafo antigo