15.2.07

Era uma vez uma menina chamada Ela.

Ela não sabia como se relacionar com esse negócio arriscado de amar, então, logo cedo, decidiu não se envolver, tirar o time de campo e fugir - fingindo que não fugia - de qualquer relacionamento que beirasse alguma seriedade; a distância sempre dava uma mãozinha. Um dia, essa mesma distância virou a madrasta má; a menina já não queria mais o fim, queria uma reprise da abertura, almejava o clímax e o para sempre a apetecia. O longe já não era mais o novo e o desejado; era a tortura, era o não saber, a maldita insegurança. Ela mudou, virou inimiga dos quilômetros, dos dias, dos meses, do frio; depois ficou triste, pálida, meio esverdeada. Passou um bom tempo com a alma presa por um alfinete, até ele enferrujar e restarem apenas farelos da menina de antes espalhados por todo lado no piso de taco antigo e barulhento. Demorou um pouco até alguém varrer aquela bagunça e a jogar no lixo do banheiro, sem a delicadeza de perceber o solitário fim daquela menina amiga da distância e do frio. Isso tudo porque Ela não conseguia mais falar em voz alta que podia ser feliz de um outro jeito, de um jeito sem ele.

12.2.07

México.

Reforma no meu peito.

10.2.07

Conversas estranhas. Parte três.

- Porra! Esqueci meu isqueiro.
- Pede pra essa cara aí do lado que tá fumando.
- Com licença, pode me emprestar o isqueiro?
- Foda mesmo é saber que eu vou acordar amanhã sentindo essa mesma coisa de agora, esse nada, esse vazio, essa vontade de sentir algo diferente.
- Perdi o controle.
- Preciso sentir alguma coisa nova.
- Eu, na verdade, preciso é que ele faça um monte de coisa que ele nem imagina o quanto é essencial pra mim. O pior é que eu não posso falar o que preciso, ele tinha que saber. O que eu faço?
- Ele tá muito seguro.
- Podia me emprestar o isqueiro de novo? Obrigada mesmo.
- Muito seguro. Acho que amanhã vou vestir minha roupa mais foda.
- Colocar lápis preto no olho e ficar bonita.
- Me arranja um cigarro? Valeu.
- Vamos viajar? Tava pensando que a gente podia ir pra Dublin ou Helsinque. Sempre quis ir pra Helsinque, vi umas promoções na internet hoje.
- Quero sentir raiva, pelo menos já é alguma coisa nova pra sentir.
- Preciso da minha redenção logo. Mais um fino com groselha, por favor.
- Mais um fino comum pra mim, por favor.
- Porra, escuta a música que tá tocando. Ridículo, tão frescando com a minha cara.
- Não quero mais ser essa menina, a que só espera, conta os dias.
- O pior é que a gente não tem muita saída.
- Amanhã vai ser a mesma coisa, todo dia, toda hora, todo minuto.
- Tinha uma menina chorando na minha sala hoje, eu saí de perto.
- Já sei. A gente arranja um caso.
- Não adianta.
- Adianta. Não, você tá certa, não adianta.
- Eu gosto muito dele.
- E eu sou louca por ele. Tem mais cigarro?
- Não, acabou. Em casa tenho mais e tenho vodka também.
- Vamos embora então?
- Vamos, a pessoa que tá escolhendo as músicas tá adorando me ver sofrer. Eu vou quebrar a placa modem da internet quando chegar em casa, tá?
- Tá bom. Eu vou jogar o vidro de pasta de amendoim pela janela.
- Ótima idéia. Tem cinco euros?
- Tenho.
- Me dá. Com licença, vocês aceitam Visa?

2.2.07

"A bouteille d’eau"

o pedaço de um filme
apareceu para mim
tinha cabelos castanhos
tinha olhos castanhos
tinha um jeitinho assim
de saia menina
de fumo mulher
de ginga e de música
de poesia surda
de graça absurda
um querer que não quer

o pedaço de um filme
apareceu para mim
tinha trilha sonora
tinha gosto refinado
sapato descolado
moderninha escrotinha
pudor? acho que não tinha
apareceu para mim

o pedaço de um filme
chegou, tão assim
com uma dança esquisita
um esquisito bonito
com pausas e silêncios
falas não ensaiadas
uma sintonia despropositada
que chega a me estranhar de tão natural

o pedaço de um filme
chegou, tão assim
depois de tantos desencontros
enfim, o encontro
patinando sobre coincidências
apareceu colorida e sorridente
pra dizer com toda sua simpatia cinematográfica
dança comigo essa música?

*Pedro Câmara