26.9.06

Reflexo.

Estava tentando avistar a cidade lá fora, mas as pessoas ali de dentro ocupavam todo o espaço disponível naquele material cristalino. Continuei insistindo até que no meio dos reflexos impertinentes encontrei você. Na verdade não era apenas você, era o futuro fantasiado de imagem refletida. Através daquele oráculo moderno, te vi sorrindo, passando a mão na minha perna, fumando um cigarro e então consegui enxergar além dos ali presentes, mas não pra ver a cidade viva do outro lado e sim eu e você depois de muito tempo, depois de muita coisa. Um prenúncio de um futuro bonito.

21.9.06

Três coisas sobre elas três.

Déa
Primeira coisa. Ganhei de presente e não devolvo mais. Qualquer pessoa que a tem por perto a considera um presente e secretamente deseja que ela fosse um bibelô pra levar no bolso pra cima e pra baixo.
Segunda coisa. Ela sabe exatamente o que fazer pra transformar meu dia. Colocar uma música no som do carro que eu precisava ouvir, ou uma poesia musicada que foi feita pra mim, dar um beijo e um abraço apertado na hora certa, ou simplesmente falar de uma entrevista sobre amor e paixão que viu na tv.
Terceira coisa. A Déa canta em voz alta comigo dentro do carro e ainda faz as coreografias enquanto dirige. Nada melhor do que “maybe I’m a fool for walking in line”.


Primeira coisa. Ela é a única pessoa que conheço que consegue falar mais e mais alto do que eu e mesmo assim ser a coisa mais querida.
Segunda coisa. Tem o sorriso mais gostoso do mundo, que conserta tudo de errado ao redor em apenas alguns poucos segundos.
Terceira coisa. É a minha amiga gata massa da praia e do shopping. Parece que ela nasceu do lado do mar, tem relógio da praia, come docinho da praia e vive bronzeada.


Primeira coisa. Ela tem uma risada que assusta e apaixona. Só ela consegue isso e o melhor é que a risada muda com o tempo.
Segunda coisa. Mais tranqüila do que essa morena cor de jambo dos olhos tão verdes que parecem transparentes não existe. Ficar do lado dela, vendo um intestino gigante cor de rosa e ponderando onde é o apêndice é quase uma terapia.
Terceira coisa. Acho muito lindo como ela trata pessoas que nunca viu antes como se fossem amigos íntimos e como essas pessoas nunca se sentem desconfortáveis. Comigo foi assim. Conheci-a e no mesmo dia ela já prometeu pintar um mural numa parede do meu quarto novo, requisitou apenas música, tintas, amigas e um lanche.

18.9.06

Menta com chocolate.

Ela olhava e sorria sem controle, finalmente encontrou o menino. O desconhecido dela, só dela, aquele que nem precisava de prefácios ou títulos. Continuou olhando, esperando que ele a notasse e percebesse que ela era a desconhecida dele, aquela que ele sempre procurou sem saber. Mas não tinha pressa, estava apenas feliz em finalmente o ver materializado, até então achou que ele fosse apenas um sonho feliz. Foi então que um barulho estrondoso, daqueles que só os que amam escutam, o fez abrir os olhos e a ver bem ali, tão perto, tão real. Logo que a viu não acreditou muito, achava que aquele tipo de sensação só existisse em devaneios bonitos. Mas depois dessa noite boa, ele passou a ser tão dela que tudo antes do barulho ensurdecedor ficou com um jeito de invenção boba e ela tão dele que o futuro ficou com um gostinho bom de menta com chocolate.

17.9.06

Ele, elas e aqueles outros dois.

Ele só encontra as meninas erradas, beija as bocas erradas, segura as mãos erradas, sonha os sonhos errados. Procura a sua menina e só encontra aquelas de temporada. Todas seguem em frente, com destino já conhecido, ou aquele ali com jeito de rebelde ou aquele outro lá que finge ser um monte de coisa. Ele, um coadjuvante sensível, é muito diferente dos outros dois que são protagonistas demais pra se preocupar com um outro alguém, então assiste quietinho enquanto as meninas erradas aos poucos descobrem que aqueles outros dois não são donos de encanto algum. Protagonistas sempre são sem graça, mas toda menina quer conseguir um papel principal, fazer parte do par romântico da história, só depois de um tempo cansam da pressão e tentam voltar pro coadjuvante charmoso, mas aí é tarde, ele já encontrou uma outra aspirante a protagonista que logo não será mais sua. O gostoso desse lero-lero romântico é saber que qualquer dia desses de um céu bem ciano ele vai encontrar uma coadjuvante tão linda e interessante quanto ele que também sonha com o diferente, a menina certa.

10.9.06

Seis coisas.

Gosto muito de você e aqui vai então um pouco de mim.
Não existe nenhuma ordem de importância nessa listinha, nem sei se essas são as coisas que realmente fazem de mim essa Rafaela que vocês conhecem.

Primeira coisa. Sou uma pessoa que alguns classificariam como visual. Adoro cores, cor nunca é demais, na verdade quanto mais, melhor. Está tudo na arte de saber não-combinar-combinando. Xadrez com estampa de oncinha pode ficar lindo e guaraná Jesus é muito mais gostoso porque é rosa.
Segunda coisa. Gosto de dar tudo meu que já não uso mais pra a pessoa certa. Também adoro ganhar a coisa certa de pessoas mais certas ainda. Pulseirinha, sandália, quadro colorido, encarte de cd, camiseta com estampa de oncinha azul.
Terceira coisa. Vicio numa música nova toda semana. Aí escuto a mesma música pelo menos duas ou três vezes por dia, até a música da semana seguinte transformar a velha favorita em obsoleta. Algumas favoritas marcam tanto que até enchem meus olhos de lágrimas felizes, como "love’s a game" que só me lembra um ônibus e aquela amiga que ganhei de presente no meio daquele monte de casinhas em cima de árvores.
Quarta coisa. Demoro muito pra entender coisas que não são diretas. Por isso não tente ser discreto do meu lado, eu vou insistir pra você ser mais óbvio até conseguir entender. Estou até melhorando um pouco no código de meninas. Já sei até o que é um "bom dia", mas falar que uma saia curtíssima é uma saia grande ainda é de difícil decodificação pra mim.
Quinta coisa. Sou completamente fascinada pelo novo, por isso às vezes fico meio entediada no meu dia a dia. Quando isso acontece só preciso ver um filme novo, descobrir alguma banda, conhecer alguém legal, assistir uma peça bonita, sair pra fazer algo que nunca fiz mesmo que seja só assistir a tarde acabar lá no infinito, aí já fico melhor por um pouco mais de tempo.
Sexta coisa. Tenho uma memória péssima, mas guardo com todo cuidado pequenos tesouros de coisas que já ficaram mais pra trás nessa linha estranha que é o tempo e que só me lembram coisas boas. O abraço de cinco minutos numa contagem completamente alternativa, minha amiga me esperando na parada de ônibus com um travesseiro e sacolas com comida, uma outra falando que era um strass, meu irmão pulando em cima de mim, papai levando vitamina pra minhas amigas cedo demais, intestino gigante cor de rosa e uma nova menina, caminhadas longas demais de volta pra casa com ela que nem usa mais aparelho ou óculos, banhos de piscina sem motivo aparente, cereja gigante com neve, café com menta, um cigarro com toque de tangerina e o meu artista inconformado, abraço escondido no corredor do trabalho. Posso não lembrar o nome da menina que estudou comigo na sexta série num colégio que nem lembro mais o nome, ou o dia em que falei que não queria mais ser advogada, ou o dia em que decidi largar a biologia, mas as coisas importantes mesmo estão bem guardadinhas. Vocês todos estão bem aqui comigo, sempre.

O menino.

Só quem estava na plataforma era aquela senhora que há uns quinze minutos me apontou o caminho certo e que agora varria o chão sem muita preocupação de realmente limpar. Já tinha um tempinho que eu esperava pelo fim daquela cena longa demais e sem nenhum elemento surpresa, com o pensamento voando longe e flutuando perto do meu menino, quando vejo uma pessoa correndo lá longe, um menino, não o meu, mas provavelmente da mesma idade. A angústia que ele sentia ao ficar frente a frente com a possibilidade de perder aquele trem estava estampada em todos os seus movimentos. Ele corria e eu, secretamente e sem muito saber o motivo, torcia para que as portas continuassem abertas e o trem não começasse a apanhar velocidade deixando aquele menino que estava claramente em uma missão ali sozinho. Conseguiu. O trem parecia ter esperado exclusivamente por ele. O menino passou um minuto parado, olhando pro chão e recuperando o fôlego, depois examinou o bilhete amassado que tirou do bolso e veio em direção ao assento vazio bem em frente ao meu, onde eu já havia colocado minha bolsa e minhas revistas e já estava planejando apoiar os pés durante a viagem. Retirei minhas coisas e ele nem notou, respirava fundo. Cabelo castanho assanhado, pele muito branca, olhos verdes, barba mal feita, roupa amassada e um piercing na boca com o qual ele brincava enquanto tentava conseguir o que parecia impossível, colocar aquela mochila grande demais pro tamanho dele no compartimento acima dos assentos. Um senhor que estava sentado do meu lado o ajudou. Depois de brigarem com aquela mochila de proporções absurdas por alguns minutos, eles conseguiram, o menino agradeceu e ambos assumiram suas posições de viagem.
Durante o percurso, meu novo objeto de observação folheou uns três jornais diferentes, umas duas revistas e um livro enorme, mas com certeza não conseguiu ler uma frase completa em nenhum deles. Foi para área de fumantes umas cinco vezes, mas não fumou nenhum cigarro até o fim. Não conseguia terminar nada, algo muito importante estava prestes a acontecer e eu ia presenciar esse fato tão perturbador. Eu o observei a viagem inteira sem permissão, mas ele em nenhum momento notou o meu olhar bisbilhoteiro. Eu era para ele uma mera passageira, apenas uma coadjuvante, enquanto ele era o protagonista da história do dia, tanto do meu dia quanto do dele. Descemos na mesma parada e eu como sempre perdi o meu trem umas duas vezes, nunca sei direito para onde ir. Enquanto isso, eu prestava atenção no protagonista. Ele andava para um lado e para o outro, esperando uma vida inteira em quinze minutos, desejando o depois. Os trens chegavam, partiam e ele continuava ali, impaciente, com certeza esperando alguém que nunca deveria ter ficado longe. Um trem vindo de Lisboa parou e ela desceu correndo, a primeira a desembarcar. Eu presencie o fim da história do dia, tão lindo. Um abraço demorado, um beijo carregado de saudade, de vontade, sorrisos sinceros. Ele passava a mão no cabelo dela como se não acreditasse que fosse de verdade e ela o apertava para que ele não voasse longe. Um sonho. Aquela plataforma cinza e suja não existia, para eles era tudo céu, qualquer coisa fora aquele azul que os envolvia era bobagem, besteira.
Finalmente entendi qual trem me levaria pra Coimbra. Entrei e os protagonistas ficaram pra trás, abraçados, felizes. E eu continuei com o meu papel de coadjuvante do dia, podendo apenas sonhar com o menino que foi feito pra mim e que ficou longe. Não quero mais essa distância totalmente dispensável. Será mesmo que não tem um trem que cobre o trecho Porto/Fortaleza diariamente?