25.5.06

Uma bola sabor azul, por favor.

Tenho um amigo muito alto, mais de dois metros de altura, pele de porcelana, cabelos e olhos negros. Ele mora numa casa branca de dois andares e janelas grandes que fica numa colina em frente a um rio.
A casa branca que tem cheiro de café é bem antiga. Foi construída num passado distante para abrigar uma funerária. Dessa época só resta o elevador retangular e baixo feito para transportar os caixões dos que já abandonaram essa existência frágil. Hoje ela abriga a excêntrica família desse menino alto e sem apegos materiais. Nessa casa da colina mora um enfermeiro hippie de cabelos lisos que faz a melhor lasanha do mundo, uma psicóloga de tranças e argola no nariz, uma jovem da minha idade de nome estranho e desejos ocultos, um adolescente gago que sonha com uma banda de rock e meu amigo alto. Eles habitam o segundo andar desse prédio antigo, no primeiro andar funciona uma sede dos Alcoólicos Anônimos.
Muitas das minhas tardes se passaram nessa casa. Eu e meu amigo passávamos horas escutando os anônimos nos contarem todas as suas vidas nos mínimos detalhes ou pelo menos o que lembravam delas entre um trago e outro de seus cigarros que fumavam de forma angustiante. Outras tardes, nós subíamos a colina, o que nos levava quase meia hora, só para ir à sorveteria local e pedir uma bola de sorvete do sabor mais estranho. O meu favorito era sabor azul, o nome do sabor era realmente azul e juro que tinha gosto de sonho. Muitas vezes caminhávamos à beira do rio até anoitecer enquanto ensaiávamos linhas de uma peça teatral imaginária ou cantávamos músicas italianas bobas.
Eram tardes agradáveis, leves e coloridas. Mas eu voltei pro meu mundo e meu amigo foi para um país distante de nome excêntrico. Agora ele escuta o vento e segue seus conselhos sem nunca questionar. Sei que um dia a gente vai se encontrar de novo e dividir uma bola de sorvete sabor azul enquanto conversamos sobre coisas transparentes.

Um comentário:

Anônimo disse...

sorvete azul... agora eu quero