11.5.06

Corra Lola Corra.

“O jogo dura 90 minutos. Isto é um fato. Todo o resto é apenas teoria.” Após lançar essa simples regra, o filme nos dá o objetivo do jogo: Lola tem apenas 20 minutos para arranjar 100 mil marcos ou gangsteres irão matar seu namorado, Manni. Ready. Steady. Go!
Uma manhã, vinte para o meio dia, Lola, uma neopunk alemã de cabelo laranja avermelhado fluorescente, recebe um telefonema desesperado de seu namorado que precisa de 100 mil marcos até o meio dia ou seu chefe irá matá-lo. A protagonista permanece calma, o assustado Manni acredita que ela saberá o que fazer, mas ele a avisa que se ela não o encontrar em vinte minutos, irá assaltar um supermercado em frente à cabine telefônica da qual está ligando. Lola logo inicia sua jornada, correndo nas ruas de alguma cidade alemã até o banco onde seu pai é vice-presidente, esperando conseguir dinheiro com ele. As coisas não saem exatamente como ela esperava e o resultado é desastroso. Depois de apenas 25 minutos de filme, temos a impressão de que não existe mais saída. Então vemos na tela: “Game Over – insert 50¢ to continue,” e o filme volta ao início; Lola joga o telefone para cima e começa a correr novamente. A segunda tentativa acabe em desastre também, então Lola tem uma terceira chance para resgatar o namorado e resolver o problema.
A maneira como o diretor conta a história, é inovadora para o cinema. Para qualquer um de nós que cresceu na era dos videogames e gameboys, é quase óbvio que Lola simplesmente salvou o jogo logo quando ela falou com Manni no telefone para que pudesse voltar até lá e tentar de novo se chegasse a ler na tela: Game Over. E assim como em um joguinho eletrônico, Lola usa conhecimento adquirido previamente para antecipar obstáculos deixando a segunda e a terceira alternativa cada vez mais suave, a não ser até que um novo obstáculo surja. O filme é romântico sem ser mágico; cria um mundo onde tudo é possível: traições ou milagres de último minuto, lances de sorte ou azar etc. O diretor é um romântico do agora, que cresceu com MTV e videogames. Ele conta a história como um menino que é derrotado logo no início por seu joguinho favorito e aperta o botão Reset incansavelmente até conseguir o final que deseja.
Apenas assistindo o filme, nos sentimos cansados, enquanto a protagonista não sua ou para sequer por um segundo. A trilha sonora é composta basicamente de música eletrônica e é tão contagiante que quase faz você querer correr com Lola. É quase impossível desgrudar os olhos da ação, afinal o filme é cheio de ritmo e energia, nos deixa envolvidos e sem fôlego na luta da protagonista contra o relógio. Muitas vezes chega a parecer um longo e bom clipe musical ou uma série de televisão. A trilha sonora nos lembra constantemente da necessidade da velocidade, como no trecho: “like a heartbeat that never comes to rest.” A música nesse filme é dominante e pulsante com apenas alguns intervalos de charmoso e completo silêncio. O diálogo é quase inexistente exatamente por não ter tanta importância quanto a trilha sonora; é interessante observar nesse filme como a música é capaz de comunicar às vezes até mais que palavras.
O fato de Lola correr o tempo todo com toda a velocidade não é suficiente para Tom Tykwer, o diretor. Ele usa no filme: animação, slow motion (enquanto Lola corre você consegue até ver os músculos do seu rosto contraírem), close-ups extraordinariamente velozes, uma grande variedade de ângulos, cortes bruscos, edição no estilo de clipes musicais de rock, flashes do futuro e do passado, monólogos interiores, câmeras na mão, takes aéreos, telas divididas mostrando duas histórias concomitantes, etc. Corra Lola Corra é uma declaração de amor à velocidade no cinema, vida urbana, cultura pop e música eletrônica. A confusão em que Lola está inserida é uma re-interpretação da vida moderna e da nossa interminável luta contra o relógio e o acaso. Os momentos de silêncio deixam a imagem despida e vulnerável, como quando o funcionário do banco vai até o cofre para pegar mais dinheiro enquanto Lola vigia o pai com a arma roubada em mãos.
A personagem da menina de cabelos laranja avermelhado é o que dá unidade ao filme, qualquer lirismo que exista nesse filme emana dos ossos da protagonista. Com seu cabelo elétrico e roupa urbana punk e funcional, ela está pronta para qualquer ação. Emocionalmente, Lola parece uma garota de rua esperta, mas ao mesmo tempo inocente, dessas que vemos por aí nas ruas ou em clubes alternativos e underground. Um fato interessante é que ela não fica impressionada com o fato de que seu namorado está trabalhando para um gangster, mas a deixa inquieta a possibilidade de Manni ser assassinado como se ela nunca tivesse imaginado que algo assim pudesse vir a acontecer. A ingenuidade da protagonista dá ao filme um toque humano, seus olhos escuros apreensivos passam a imagem de alguém que torce pelo melhor, mas antecipa o pior. É fácil simpatizar com Lola, devido a sua devoção a Manni, mas não pelo simples fato de ser devotada ao namorado e sim pelo fato de ela conseguir se envolver tão profundamente e com tamanha força; uma punk numa missão de amor.
O filme é composto de três versões da mesma história. Os eventos em cada episódio se diferenciam muito pouco uns dos outros, mas essas pequenas distinções na narrativa evocam conseqüências e finais muito distintos. O filme trata do tema do destino e de como incidentes e decisões que nos parecem insignificantes podem afetar nossa vida diária mais do que imaginamos. Sim, você já viu algo do tipo antes; a temática já não é mais tão original. Filmes hollywoodianos como “Efeito Borboleta” e “De Caso com o Acaso” tratam do mesmo tema, podemos até dizer que eles todos tentam abordar um pouco a teoria do caos, que tenta explicar o fato de que resultados complexos e imprevistos podem e irão ocorre em sistemas que são sensíveis às suas condições iniciais. Um exemplo propositadamente exagerado dessa teoria é conhecido como efeito borboleta. Esse exemplo diz que, em teoria, o bater de asas de uma borboleta na China pode afetar o clima em Nova Iorque, apesar de estar a milhares de quilômetros de distância. Em outras palavras, a teoria tenta apontar que é possível que um acontecimento muito pequeno possa produzir resultados imprevisíveis e às vezes drásticos através da ativação de eventos cada vez mais significativos.
Apesar de o tema já ter sido abordado por vários outros filmes, a fórmula nunca foi tão bem aplicada quanto nessa audaciosa, ingênua e visualmente estilizada compilação de vários “e se,” que funcionam dentro da lógica peculiar do filme. Corra Lola Corra é eficiente em um nível puramente instintivo. Palmas para essa celebração incontrolada do prazer da velocidade no cinema.

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