10.9.06

O menino.

Só quem estava na plataforma era aquela senhora que há uns quinze minutos me apontou o caminho certo e que agora varria o chão sem muita preocupação de realmente limpar. Já tinha um tempinho que eu esperava pelo fim daquela cena longa demais e sem nenhum elemento surpresa, com o pensamento voando longe e flutuando perto do meu menino, quando vejo uma pessoa correndo lá longe, um menino, não o meu, mas provavelmente da mesma idade. A angústia que ele sentia ao ficar frente a frente com a possibilidade de perder aquele trem estava estampada em todos os seus movimentos. Ele corria e eu, secretamente e sem muito saber o motivo, torcia para que as portas continuassem abertas e o trem não começasse a apanhar velocidade deixando aquele menino que estava claramente em uma missão ali sozinho. Conseguiu. O trem parecia ter esperado exclusivamente por ele. O menino passou um minuto parado, olhando pro chão e recuperando o fôlego, depois examinou o bilhete amassado que tirou do bolso e veio em direção ao assento vazio bem em frente ao meu, onde eu já havia colocado minha bolsa e minhas revistas e já estava planejando apoiar os pés durante a viagem. Retirei minhas coisas e ele nem notou, respirava fundo. Cabelo castanho assanhado, pele muito branca, olhos verdes, barba mal feita, roupa amassada e um piercing na boca com o qual ele brincava enquanto tentava conseguir o que parecia impossível, colocar aquela mochila grande demais pro tamanho dele no compartimento acima dos assentos. Um senhor que estava sentado do meu lado o ajudou. Depois de brigarem com aquela mochila de proporções absurdas por alguns minutos, eles conseguiram, o menino agradeceu e ambos assumiram suas posições de viagem.
Durante o percurso, meu novo objeto de observação folheou uns três jornais diferentes, umas duas revistas e um livro enorme, mas com certeza não conseguiu ler uma frase completa em nenhum deles. Foi para área de fumantes umas cinco vezes, mas não fumou nenhum cigarro até o fim. Não conseguia terminar nada, algo muito importante estava prestes a acontecer e eu ia presenciar esse fato tão perturbador. Eu o observei a viagem inteira sem permissão, mas ele em nenhum momento notou o meu olhar bisbilhoteiro. Eu era para ele uma mera passageira, apenas uma coadjuvante, enquanto ele era o protagonista da história do dia, tanto do meu dia quanto do dele. Descemos na mesma parada e eu como sempre perdi o meu trem umas duas vezes, nunca sei direito para onde ir. Enquanto isso, eu prestava atenção no protagonista. Ele andava para um lado e para o outro, esperando uma vida inteira em quinze minutos, desejando o depois. Os trens chegavam, partiam e ele continuava ali, impaciente, com certeza esperando alguém que nunca deveria ter ficado longe. Um trem vindo de Lisboa parou e ela desceu correndo, a primeira a desembarcar. Eu presencie o fim da história do dia, tão lindo. Um abraço demorado, um beijo carregado de saudade, de vontade, sorrisos sinceros. Ele passava a mão no cabelo dela como se não acreditasse que fosse de verdade e ela o apertava para que ele não voasse longe. Um sonho. Aquela plataforma cinza e suja não existia, para eles era tudo céu, qualquer coisa fora aquele azul que os envolvia era bobagem, besteira.
Finalmente entendi qual trem me levaria pra Coimbra. Entrei e os protagonistas ficaram pra trás, abraçados, felizes. E eu continuei com o meu papel de coadjuvante do dia, podendo apenas sonhar com o menino que foi feito pra mim e que ficou longe. Não quero mais essa distância totalmente dispensável. Será mesmo que não tem um trem que cobre o trecho Porto/Fortaleza diariamente?

Um comentário:

Anônimo disse...

às vezes parece que nunca vai chegar, né?