desatando
N Ó S
...quando não machuca mais, perde a graça.
"Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue…
Entretanto, luto."
* trechinho de O Lutador, Drummond
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Uma onda de calor maleducada invadiu minha casa, assim, sem convite. Trouxe com ela uma massa de ar quente, húmida, deixou o ar impossível de respirar. Por vários dias, me fez claustrofóbica, me fantasiou em tons de cinza. Do lado de lá, em pose de rainha de copas, quem ordenou que a massa de ar se deslocasse impiedosa em direção ao norte só tinha olhos para dias bonitos, um monte de sol, uma brisa que até parecia prenúncio de primavera. Celebrando o desprazer alheio, esqueceu: por bem ou por mal, toda frente quente não passa de uma zona de transição, um movimento, sempre em frente. Uma causadora de precipitações, que só acontece de vezenquando, de quandoemvez, e desliza inconsistente, participando da categoria dos delírios alucinados.
Graças a São José, hoje já choveu o suficiente para lavar até a calçada da minha casa de qualquer vestígio dos dias em desencanto. O inverno agora está garantido aqui no Nordeste. Enquanto escrevo, chove lá fora - e dentro de mim, orvalho. Amanhã, ainda meio enebriado, meu quintal acordará coroado, florido, verde, azul, botão, esbanjando bem-te-vis. O jardim inteiro, em fofos, sorrindo para mim, declamará em uníssono: “no mais, mesmo, da mesmice, sempre vem a novidade.”*
* O trecho entre aspas acima foi retirado de Luas-de-mel do livro Primeiras Estórias de João Guimarães Rosa.
"Eu não entendo, apenas sinto. Tenho medo de um dia entender, e deixar de sentir." c.f.a.
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"Verdade e Liberdade... não são apenas duas rimas perfeitas, mas condições entre si, parâmetros, dependentes, igualdades: uma não existe sem a outra."
...da Mãe da Déa.
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Foi um dia de um peso imenso. Quilos e mais quilos de uma teia de palavras guardadas. Boiando ali, na água escura do rio, tomando a forma daquela espuma, daquela náusea. Amar(ela). Era um baião de letras, escolhidas a dedo por alguém que não eu. Brincavam de formar sentenças, apunhalavam e divertiam-se em abrir feridas. O desejo era mudo. Clamavam: nunca cicatrizem!
Ainda bem que meu espírito não desiste de acreditar em alegrias explosivas. Sobrevive através de breves olhares faiscantes e algumas poucas palavras bonitas. Acredita em tudo que sente antes mesmo de tocar, acredita no amor, na cura. Os dias pesados, não tenho dúvida, esses sempre existirão. A mágica, meu amor, está no poder de saber guiar lucidamente esses nossos humores no meio da loucura. O segredo é emergir o mais rápido possível do soluço profundo e mergulhar em suspiros demorados; um corpo noutro, mais nada.
"a dor é a única emoção que não usa máscara"
e "o perdão é uma decisão, assim como o amor"
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