|T|udo |P|reto |M|omentaneamente
Ontem acordei cansada daqueles mesmos olhos grandes, escuros e tediosos me olhando de volta sem nenhuma curiosidade no espelho embaçado por causa do vapor. Passei a manhã inteira aborrecida com aquele meu jeito de andar e falar tão sem graça e principalmente com aquele meu problema de audição estúpido que em dias mais bonitos já me pareceu tão charmoso. Sem vontade de fazer nada ou de interagir com mais ninguém além daquela pessoa que hoje era um enigma, mas da qual não podia escapar, passei a tarde toda no meu quarto de paredes completamente brancas. O tempo inteiro sem paciência para aquelas mesmas músicas no meu computador, aquelas mesmas roupas no armário, aquelas mesmas palavras no livro vermelho e aquelas mesmas sardas no corpo inteiro. Tudo idêntico a sempre. Dominada por uma ambição de trocar de corpo e de ir pra um lugar bem distante a fim de ver cores e pessoas inusitadas evitei o resto do mundo. Estava tão cansada de tudo aquilo que até dormir foi difícil. Alcançava apenas um sono inquieto e facilmente perturbado, consciente da vontade de dormir, consciente da incapacidade de relaxar, um sono que não buscava o descanso, não almejava sonhos, ansiava apenas pelo fim daquele dia impraticável. Ontem era impossível lembrar que o episódio desastroso era temporário, mas hoje já voltei a achar minhas sardas únicas e delicadas e amanhã com certeza volto a enxergar turquesa e magenta por todo lado.