O cenário parecia ter sido escolhido a dedo, uma verdadeira brincadeira de mau gosto. Era um sábado de um céu carrancudo, fantasiado de rosa-cinza, um dia molhado da cabeça aos pés. Parecia até abertura de um romance romântico barato. E foi nesse dia horroroso que a cidade chorou seu sumiço, junto comigo. Regamos sua morte com a ternura de quem viu o amor ganhar corpo, virar gente, virar dor, pó, um punhado de letras num papel.
Meu estômago já estava bem treinado para receber a novidade que você ainda insistia em me esconder. Para o seu conforto, continuava fantasiando de querer tudo em paz, de amar tanto. Mal sabia que, enquanto isso, eu lia todas as suas traições, relia suas mentiras, resignificava, observava seus olhos desviarem dos meus, assim, sem ensaio, sem arrodeios. Seu amor desviava de mim com uma pureza que chegava a ser uma coisa linda. Eu, já quase sem palco, assistia suas palavras morrerem todas no céu da boca. Sílabas, frases inteiras, entaladas na garganta. Olhar cansado. Suspiros prolongados. E, quando mais espero, lá se veio a declaração: não sei como te agradar. Queria tanto ter te escutado tão puro como quando seu amor escapava de mim. Talvez: não tenho mais como te agradar.
Seu corpo gelado, duro, sem o gingado de carinho e beijo no cangote. Eu, morta. Meiga, doce, mole, frágil, boneca, dependente. Naqueles minutos, eu era só aquele nó na garganta. Mesmo depois de tanto adestramento, eu era ácido no estômago. Amarelo na alma. Pé na cabeça. Mas, ainda assim, mulher. Decidida a seguir em frente, a amar sempre mais.
Mesmo que eu, apaixonante.
E você, desapaixonando.
Baby, c'mon. Até o próximo eu.